sexta-feira, 31 de maio de 2013

NOSSAS NOSSAS ALMAS? SEI LÁ!




Cocktail Party
by Mário Quintana


Não tenho vergonha de dizer que estou triste,

Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas:

Estou triste por que vocês são burros e feios

E não morrem nunca…

Minha alma assenta-se no cordão da calçada

E chora,

Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.

Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.

Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.

E trocamos brindes,

Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.

Somos democratas e escravocratas.

Nossas almas? Sei lá!

Mas como são belos os filmes coloridos!

(Ainda mais os de assuntos bíblicos…)

Desce o crepúsculo

E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças

d’água,

Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!



by Mário Quintana



(1906-1994)

quarta-feira, 29 de maio de 2013

NÃO ME BATERA TANTO AMOR NO PEITO

Se Eu Morresse Amanhã!


Álvares de Azevedo



Se eu morresse amanhã, viria ao menos

Fechar meus olhos minha triste irmã;

Minha mãe de saudades morreria

Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!

Que aurora de porvir e que manhã!

Eu perdera chorando essas coroas

Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que dove n'alva

Acorda a natureza mais loucã!

Não me batera tanto amor no peito

Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora

A ânsia de glória, o dolorido afã...

A dor no peito emudecera ao menos

Se eu morresse amanhã!


1831-1852


terça-feira, 28 de maio de 2013

DESCONSTRUINDO JAIR




Querido Jair

Faz algum tempo que preciso te dizer umas coisas, acho que chegou o momento.

Tu andas de mal a pior, posso perceber por teu andar, teu olhar distante e essa vontade de não fazer nada, ficar deitado na cama, olhando o teto e esperando o sonífero fazer efeito. Nestes momentos consigo ver teus pensamentos, que nem na penseira do Harri Potter...vejo que não te desapegas dos teus mortos, que tem muita saudade da infância, das árvores que eram teu parque de diversões, daquelas tardes sem fim...Acabou Jair, agora tu és adulto, e sei que pensas que já estas pronto para morrer, mas ainda não é tua hora, a não ser que querias muito, então não poderei fazer nada. Parabéns, conseguiu manter algo por quatro anos. Parabéns por teu blog, mas tu não achas que já escreveu tudo que poderia, que já postou todos os poemas que disseram algo, todas as músicas que te fizeram sonhar.

Meu querido, não adianta, não sabes lidar com o amor, lembras do teu último, era opara ser perfeito, na faculdade, jovens, livres, mas não, não soubeste conquistar, pelo contrário, afastou de ti quem tu mais gostou até os dias de hoje. E teus amigos da blogosfera, tudo bem, são virtuais, mas os teus próximos, que tu conviveu, ondes estão, Todos, todos acharam um substituto para ti, aliás, qualquer um te substituía. Sinto muito Jair, tu és um fracasso, no amor, na amizade, na vida. Acho que tu tens razão, o que poderias tu fazer aqui, agora neste planeta, senão partir, para sempre.

Desculpa se tou sendo muito pessimista com relação a tua vida, mas não consigo ver diferente, quem sabe se ouvires The Smiths, ou algo mais depressivo, talvez tu te encontre e encontre a solução definitiva para teus dramas, que na verdade não me interessam, nem a mim e muito menos para a humanidade.

Desculpa mais uma vez, estarias fazendo um favor se te jogasse no mar, sei que não sabes nadar, então...



um beijo da morte e da vida, é o que te desejo



de teu maior e único amigo



Jair

sexta-feira, 24 de maio de 2013

JÁ DISSE QUE SOU SÓZINHO



Lisbon Revisited (1923)



NÃO: Não quero nada.

Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!

A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!

Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!

Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas

Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —

Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.

Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.

Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?

Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.

Assim, como sou, tenham paciência!

Vão para o diabo sem mim,

Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!

Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.

Já disse que sou sozinho!

Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —

Eterna verdade vazia e perfeita!

Ó macio Tejo ancestral e mudo,

Pequena verdade onde o céu se reflete!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!

Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.



Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...

E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!



Álvaro de Campos, in "Poemas"

Heterónimo de Fernando Pessoa

ps. ainda não consegui retirar o espaço para comentários, não precisa.

OBRIGADO POR LER.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

PESSOAS QUE GOSTAM





AZUL E AMARELO
by CAZUZA


Anjo bom, anjo mau, anjos existem

E são meus inimigos, e são amigos meus

E as fadas, as fadas também existem

São minhas namoradas, me beijam pela manhã



Gnomos existem e são minha escolta

Anjos, gnomos, amigos e amigos,

Tudo é possível outra vida futura, passada



Mas existem também drogas pra dormir

E ver os perigos no meio do mar

No sono pesado, tudo meio drogado

Existem pessoas turvas, pessoas que gostam



E eu tô de azul e amarelo

De azul e amarelo



Senhores deuses me protejam, de tanta mágoa

To pronto para ir ao teu encontro

Mas não quero, não vou, não quero

Não quero, não vou, não quero



Existem também drogas pra dormir

E ver os perigos no meio do mar

No sono pesado, tudo meio drogado

Existem pessoas turvas, pessoas que gostam



E eu tô de azul e amarelo

Amarelo, azul e amarelo


ps. mais um presentinho para mim no quarto ano do blog.




terça-feira, 14 de maio de 2013

FUNERAL, ANIVERSÁRIO, VIDA...


-Como um Quintana que despencou do céu por descuido e passa a zanzar pela terra inventando poemas, semeando poesia (um silêncio)...assim sinto em meu coração ao ouvi-lá cantar Valerie – Bem, ás vezes eu saio/ sozinha e olho através da água/ E eu penso em todas essas coisas, no que você está fazendo/ E na minha cabeça desenho uma imagem/- ou You know I'm no good – Eu me enganei/ Como eu sabia que enganaria/ Eu te disse que eu era problema / Você sabe que não sou boa. E a menina Amy segue meu caminho contrário de sentimentos, despenco do céu e ela afoga-se num poço de vinho...

E como um vento passageiro, estiveste em minha vida, balançou forte as árvores que me sustentavam no chão, perdi meus escritos de papel solto, quando a janela se abriu e aquela música invadiu...doce tempestade, amargo veneno, sono eterno em que perco essa voz aos poucos. Abrindo o silêncio de campos solitários, como minha alma, como minha alma...

Logo chegará o tempo da falta de tempo e de luz, da loucura desenfreada pelo silêncio ou por esta voz...uma música ao longe lentamente tomará forma de vida, deixando o corpo morto em cinzas, em fumaça, em música, em silêncio. A aventura que se permitiu viver no pouco tempo que resta, deste relógio mágico e mecânico do coelho da Alice, apressado, apressado...

Ou Tears dry on their own – Ele vai embora / O sol se põe / Ele leva o dia embora, mas sou adulta / E do seu jeito / Neste tom triste / As minhas lágrimas secam sozinhas... - É muito difícil quando se tem dez anos e o mundo abre as portas da percepção, sendo praticamente uma criança abandonada a própria sorte da vida e da morte, por isso mesmo um espírito libertário, que transcende a própria carne, a própria vida e sendo arte pura, bruta, delicada, sonoramente profunda e finita no infinito .

Convidado para voltar a um funeral que não estive, levarei flores amarelas. Levarei minha dor e saudade também.



ps. Sempre desejei escrever algo de alguém que conheci e marcou muito sua passagem por esta vida e Amy Winehouse estava faltando neste blog, embora em algum post devo ter escrito que a estava ouvido, também comentei da sua morte, estava tomando café com meu pai quando minha irmã me contou, lembro de ter falado com meu pai sobre ela e ele ter ficado me ouvindo e talvez, não entendendo minha tristeza por uma morta, geograficamente tão longe de mim...e de outra sorte, servirá este post para fechar um ciclo de 4 anos deste blog. (niver 20 de maio).



ps.2 A foto é de uma instalação do artista plástico italiano Marco Perego.

ps.3 Obrigado por ler.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

UMA PARTE NA OUTRA






Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?   by Ferreira Gullar

terça-feira, 7 de maio de 2013

CONVIVER







Um vento frio abre o dia outonal, que toca a pele deixando uma sensação de vida, fria vida. O céu meio nublado, com nuvens sem forma e sem destino... Desviando do olhar triste e desconfiado, apenas sente um aperto no coração e alguma vergonha, pois como poderia virar o rosto para quem sempre esteve ali, para quem sempre o ajudou nos momentos mais difíceis, mais turvos do caminho...mas não sabemos dos perigos e inimigos que encontraremos, dos seres que nos obrigamos a conviver e compartilhar, mesmo não querendo, mesmo não entendendo direito o que se passa, o que se faz – perdão, não consigo imaginar o pensas, o que sentes, se teu coração esconde amores partidos, reais ou imaginários... nem se consegues me ver de verdade e perceber que eu existo, e que me entristeço cada vez que falas minha fala, imita meus gestos e tenta copiar meu amor e não consegues – O vento frio da lugar a uma garoa de pedras de gelo, que caem e castigam os pedestres, as plantas...enquanto as folhas soltas e molhadas no chão, logo serão adubo e continuarão o processo de vida neste planeta...




Esta é minha literatura, pobre, triste, desiludida e barata. Eu que não consigo amar de verdade há muito tempo. Eu que decepciono sempre, que esqueço aniversários e que traio a confiança de amigos, que deixam de ser e trocam a meiguice do olhar por um olhar de ódio...eu mereço, embora Deus tenha me feito assim, embora todos os dias tento ser melhor, mas nem o filho Dele agradou todo mundo, não seria eu.