sexta-feira, 29 de abril de 2016

MÃOS DADAS



Mãos Dadas


Não serei o poeta de um mundo caduco.


Também não cantarei o mundo futuro.


Estou preso à vida e olho meus companheiros.


Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.


Entre eles, considero a enorme realidade.


O presente é tão grande, não nos afastemos.


Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.


Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,


não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,


não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,


não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.


O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,


a vida presente.




quarta-feira, 27 de abril de 2016

UM POEMA DE SEPARAÇÃO












Sentado naquela velha poltrona de frente para a janela, onde observa o por do Sol, deixando um rastro de penumbra dentro do apartamento no quinto andar. Do outro lado da janela, além do por do Sol, vê pequenas pessoas que se emaranham nas ruas do centro da cidade e seguem caminhos opostos, alguns pássaros, talvez desavisados que ali é uma cidade...por dentro da janela, além do trapo humano sentado, atirado naquela poltrona, vinha um lamento triste, uma voz bêbada cantando errado, não sabendo para que lado seguir, era Amy, a última vítima da síndrome dos 27 anos no rock and rol. Já não conseguia sair daquela poltrona nas últimas 24 horas. Amy cantava desde então. Em sua mão ainda esta a carta que recebeu 24 horas antes, onde ficou sabendo da quase morte de seu grande ex-amor. Percebeu a quase morte do amor que sentia, que não estava morto, mas quieto para que ele pudesse seguir com sua vida, que descobrisse uma forma de sobreviver a dor que se sente ao ser abandonado, ao se perceber não amado. Em tempos ultra rápidos de internet, tinha em mãos algo praticamente obsoleto: uma carta. E dentro da carta algo também em extinção: um poema de separação, como se o tempo que estava longe não fosse o suficiente para entender do fim, e que o fim não chegou com o acidente de ônibus...



Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
by Vinicius de Moraes

sexta-feira, 22 de abril de 2016

MINHA ALMA


"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."





Por vezes as forças acabam, parece realmente que se acabam, não restando nada, senão entregar-se, ao nada, ao fim, ao adeus...mas a alma não aceita o fim, pois ela sabe a hora de dizer adeus e não permite que atalhe caminhos, então ela de dentro para fora emite sua luz de socorro que o universo responde, encaminhando sinais e saúde, amigos e palavras. Para baixo todo santo ajuda e o pensamento se torna cego e preguiçoso, se deixando afundar, mas as mãos estendidas durante a queda, interrompem a chegada ao fim, onde ficaria bem mais difícil reagir. Em plena queda livre agarro-me aquela mão que conseguiu chegar perto, e deixo de cair livremente no espaço do poço, sendo suspenso, como um colo aquecido e protetor, fazendo dormir e sonhar e flutuar e sair do poço e acordar com a alma lavada, leve e viva. Olho para dento do poço que acabo de deixar e percebo que estar vivo e reagir, mesmo que triste, mesmo que alegre, as coisas são o que são, não se tornam menos ou mais perigosas em detrimento a meu humor, e aos poucos recupera-se a respiração e acontece a mágica do amadurecimento...da nada adiante chorar ou enfiar a cabeça no chão, temos alma livre e o corpo responderá a esta liberdade, respeitando nosso tempo, nossa força, nossa alma.










terça-feira, 12 de abril de 2016

OLHOS INFANTIS


         
         

          Quando vi já estava chorando, as lágrimas impediam de ver o futuro e o presente e meu próximo passo, ao mesmo tempo que aliviava minhas dores. O tempo de ontem deixou cicatrizes e saudades, o tempo de hoje sangra, no tempo de amanhã... dentro do sonho corria, não sabia se procurava ou fugia, as ruas eram labirintos, as pessoas mentiam e me confundiam. Mesmo cansado não me entregava, fugia e procurava, até que encontrei uma caverna silenciosa, fria e escura. Refugiei-me ali e adormeci dentro do sonho, então sonhei com amor e liberdade, com a luz dourada do Sol e a luz prateada da Lua e crianças que brincavam de esconde-esconde no fundo desta caverna, entre arbustos e rochas, agora sem a luz do Sol ou da Lua, apenas a luz de medo dos pequenos olhos infantis tentando não serem encontrados, pois já não tinham para onde fugir. O tempo de hoje sangra, eu sinto, como sinto também a umidade do limo viscoso e escuro. O ar quase não existe, somente o sufocamento e a presença triste daquelas crianças órfãs da guerra, da destruição, das longas caminhadas sem rumo e sem chegada, apenas crianças abandonadas a sorte da vida, mas quem disse que a vida é sorte ? Acordo de um sonho e as crianças não estão mais ao meu alcance, agora as vejo de longe deste sonho, acorrentadas, como escravas, sendo levadas sabe-se lá para onde. O tempo de ontem quase apagou, não fossem as cicatrizes e a saudade da felicidade que nunca chegou.

          Quando vi estava chorando na frente da televisão, pois as crianças refugiadas de seus países pela guerra, pela perseguição, pela fome, pela intolerância...agora mais frágeis, como se não fosse o suficiente roubar-lhes a infância, são roubadas, estão desaparecidas, quiçá mortas ou exploradas, escravizadas, torturadas...no tempo de amanhã há uma breve esperança de vida digna, com liberdade, com amor, com vida...




sexta-feira, 8 de abril de 2016

É PRECISO













É preciso construir uma torre

- uma torre azul para os suicidas.


Têm qualquer coisa de anjo esses suicidas voadores,


qualquer coisa de anjo que perdeu as asas.


É preciso construir-lhes um túnel


- um túnel sem fim e sem saída


e onde um trem viajasse eternamente


como uma nave em alto-mar perdida.



É preciso construir uma torre…

É preciso construir um túnel…


É preciso morrer de puro,


puro amor!…


by Mário Quintana



segunda-feira, 4 de abril de 2016

UM RUÍDO AMASSADO



EU ESTOU SÓ


 

Eu falo de quem fala de quem fala que estou só

Eu sou apenas um pequeno ruído eu tenho vários em mim

Um ruído amassado gelado na intersecção das ruas
 
despejado no pavimento húmido aos pés dos homens
 
precipitados correndo com as suas mortes

À volta da morte que estende os seus braços

Sobre o relógio sozinho respirando ao sol.






by Tristan Tzara, in L'Homme approximatif

(tradução de Tiago Nené)



Sou um poema dadaísta, dentro de um envelope sou misturado e jogado em uma folha branca, eis-me aqui, um poema dadaísta. Um tanto confuso, mas livre das obrigações sociais impostas. Jung me disse que mesmo em terapia é preciso deixar e abrir a porta da vida e viver, sem remédios sem consultas médicas, deixar apenas a vida acontecer naturalmente...aconteceu e saí para a rua e haviam muitos caminhando a passos lentos. Com expressão séria no rosto e punhos cerrados e erguidos para o céu, segui junto. De novo seguindo as convenções sociais, mas não havia como lutar contra a correnteza humana. Talvez alguns mercados e lojas sejam saqueados. Tenha também confronto com a polícia e entre os próprios que seguiam em passeata. Aos poucos percebi que deveria estar ali também, já não conseguia mais ir ao mercado, mesmo trabalhando, pensei nos assalariados com famílias para sustentar...eu sou só, minha obrigação é comigo mesmo. Seguia a passeata sem rumo, ou rumo a um precipício. Lamúrias e protestos, indignação e fome se confundiam. Maltrapilhos muitos estavam, eram muitos, somos milhões marchando contra as pessoas que nós mesmos elegemos. Mas o que fazer se é dado um poder extraordinário a seres ordinários ? Uma vez me gritou Erich Fromm. O resultado é Brasília, mas como efeito cascata, as capitais, chegando até nós através dos municípios. Aos poucos começo a entender esta caminhada sem destino. Começo a entender a morte adentrando e caminhando lado a lado, levando todos ao precipício final. Sentia sua mão fria tocando a minha, quando então tudo fez sentido ou nada, mas queria morrer. Este é um país de aparências, posses, poder, tudo tão distante de mim, por que não atender este pedido da morte? Porque não, porque não. Viver ainda é a ordem, se não tenho poder, não tenho grana, e pareço um fracasso para os que me rodeiam, eu não posso fazer nada, a não ser viver, deixar esta caminhada sem fim e retornar para casa, abraçar minha mãe, ler poemas e voltar a escrever no meu blog.