para Eliana e todos os pássaros que frequentam sua casa
Meu nome é Azulão, este é meu nome porque pareço um azulão, minhas penas e penungens são tão pretas...Taí meu nome, aliás, no meu bando, somos todos assim. O pavor dos arrozeiros, pois comer arroz na casca, não tem nada melhor. Mas não é disso que falo agora. Desde pequeno eu não sabia quem era, olhava, olhava e éramos todos iguais. Pássaros azulões.
Mas decidi voar por outros ares, encontrar novos amigos. Voei, voei até encontrar meu primeiro amigo, e ele era verde e bicudo. Ele me ensinou muitas coisas, como saber que existem os pássaros, nós, e, os que comandam e destroem tudo, os seres humanos. Falei que voava a dias e não havia encontrado nenhuma lavoura de arroz, e estava com muita fome. Então numa bela revoada o papagaio gritou na língua dos homens: não te preocupes, vá com Deus, ele proverá. Quem é Deus ? perguntei. Ele já sumindo, ainda gritou: Ele tudo pode...Ele é tudo...Ele proverá. E sumiu na imensidão da casa. Foi então que percebi, estava na cidade, e com muita fome.
Amanhecia o dia e iniciei meu voo a esmo. Estava começando a sentir saudades daquele bando barulhento de azulões, que agora aqui, acho até engraçado. Opa, quase fui atropelado por um sabiá, e logo um sabiá ! Estava numa roleta russa de pássaros de todos os tipos: pardais, canários, periquitos, pombas...era uma gritaria, o que reforçou minha memória das saudades de minha família. Fui atrás e indaguei para onde iriam. E todos respondiam: Deus proverá, Deus proverá. Já seguindo eles lembrei do papagaio e de minha fome, porque se demorar muito não terei mais forças para bater as asas.
Quando dei por mim já estava em outro lugar, parecido com o local onde encontrei o papagaio, era um pátio, melhor, os fundos de um pátio. Todos assentaram-se nos galhos de uma grande figueira, que fica de frenta para uma grande janela de vidro. Já haviam muitos pássaros,e todos repetindo: Deus proverá, Deus proverá...Estava já meio tonto, quando de repente vislumbro uma sombra, ninguém voou, mas o alvoroço era grande.
Era uma senhora alta, de óculos, roupão e um jornal debaixo do braço. Ligou a água para aquecer e veio se aproximando da janela, para delírio de alguns que já esboçavam voos em torno de si, na grande árvore, chegando perto da janela os mais ousados. Percebia um sorriso naquele rosto claro de mulher madura, satisfeita com sua rotina. Quando ela abriu a janela, a festa foi geral, todos gritavam: Deus proverá, Deus proverá...Então ela jogou vários tipos de sementes e outros alimentos, daí a festa foi geral.
Estava imóvel no galho, quando percebi que ela olhava-me fixamente, com aquele olhar que só Deus possui, e ela poderia ser Deus, pois estendeu-me a mão. Sim, era para mim.........estava com muita fome, cansado, fraco, então lancei-me num voo cego. Talvez fosse meu último voo. Acho que desmaiei, acordo em suas mãos, segurava-me com uma e acariciava-me com a outra, e para meu espanto sobre a mesa já com seu café preparado, muito arroz com casca. Eu e Deus tomamos nosso desjejum.