Sentado na poltrona do ônibus, a cada que passava, vislumbrava uma perspectiva colorida, digo, cada rua com sua cor, a cada esquina...pensou em seu trabalho, seu prazer, que era a fotografia. Voltaria a fazer este trajeto caminhando e carregando a mochila com seu material fotográfico. Ainda pensava, o que definira as cores da rua ?, e como era possível ter esta percepção?, como era possível cada rua ter uma cor, estranhamente natural, pois as pessoas não pensam mais nisso. Não pensam mai em cores alegres e quentes, as pessoas estão preto e branco e cinza, nos olhos e na alma. Usam as ruas para caminharem apressadamente ou em alta velocidade com seus automóveis ou apertadas num coletivo, como ele estava agora, mas seu coração é sensível demais para não perceber as cores e não se importar de seu corpo bem próximo de outros, era um ser livre, gostava do calor humano. Sinal vermelho, sente um pequeno aperto no coração e coloca a mão no peito. Lembra que ao ser acordado por sua mulher, com um afago na cabeça e seu nome sendo chamado baixo e de forma docemente carinhosa. Após abrir os olhos e tê-la no seu campo de visão, quando sentiu o primeiro desconforto no peito. O ônibus retoma seu caminho. Pensou em laranjeiras, um pomar inteiro de laranjas. Ao cruzar por mais uma rua colorida, como se o coletivo parasse, ele observou com cuidado, era uma rua branca, com uma pequena luz brilhante lá longe, onde seria o seu fim. Fez-se silêncio , e sua vida passou diante de seus olhos...um recém nascido com a admiração dos pais envolta do berço...primeiros passos e palavras, alegria na família...caminhando carregado pelas mãos do pai, que um Dia Deus levou...correria no recreio da escola,meninos felizes...o diploma que nunca exerceu, pois o fascínio que sempre fora amador, começou a tomar corpo e parte fundamental em sua vida....quando se profissionalizou, então renasceu e recomeçou sua vida...casamento...filhos...família...felicidade. Como se o ônibus não saísse do lugar, pensou em registrar para sempre esta rua, tão branca e brilhante, tão calma, ao longe vislumbra uns vultos de branco que caminham em sua direção...O ônibus, agora para na frente do Hospital do Coração, ele desceu e seguiu aqueles seres de branco, e parecia feliz...
O motorista do ônibus desesperado sai correndo em direção ao hospital, gritando por ajuda, pois um passageiro esta tendo um ataque cardíaco e nenhuma porta se abriu.
Então ele olhou mais uma vez para trás, como se lamentasse, e seguiu junto aqueles seres de branco em direção à luz.
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ps. Este conto é dedicado ao fotografo LUIZ CLAUDIO MARIGO, morto do coração, na porta do Instituto Nacional de Cardiologia em São Paulo, no bairro Laranjeiras. E estas são algumas fotos deste fotógrafo, que agonizou até a morte, como esta agonizando o povo brasileiro.
LUIZ CARLOS MARIGO