sexta-feira, 27 de maio de 2016

PARA SEMPRE CAIO FERNANDO ABREU


SEM GUARDA-CHUVAS

Você me disse: Você vai encontrar alguém melhor que eu. Disse isso antes de eu abrir a porta e ao sair, aceitar o fato de que você não me queria mais. Acontece. O fato é que, já fazem dois anos e eu nunca mais achei alguém tão leve e seguro de si, como você. É difícil, eu sei, pessoas bacanas neste mundo sobraram poucas, aqui em São Luís então, nem se fala. Eu já tive mais sorte. E não que eu esteja procurando isso em outros caras, mas o que parece é que não existe mais ninguém diferente nesta cidade. Eu nunca sei quando alguém está sendo sincero, também, tenho um medo enorme de estar sendo enganada por esses caras que me colocam na lista de espera de possíveis ficas. Depois de você, jamais confiei em outro homem. Tu não tinhas isso de promessas vazias, de me prometer aquilo que possivelmente, não iria me dá. Tudo que eu tinha era tua verdade. Tua simplicidade. Teu modo de falar, teus vícios de linguagem, as palavras que eu só ouvia da sua boca, o jeito de brincar, o jeito de observar o mundo, o simples modo de digitar e jamais abreviar sequer uma palavra. Eu amava teus detalhes. Eu olho para os lados, e todos os meus contatos são com pessoas vazias, em outras, ainda sou enganada porque as vezes prefiro não julgar. Eu estou tranquila, eu estou bem, eu não tenho necessidades em ter alguém, mas sempre que acontece, eu ainda me permito. Faço isso porque é exatamente a vontade que dá, de tentar, de não perder as esperanças, porque com certeza deve ter outras pessoas bacanas pelo mundo e que possivelmente, pode aparecer na minha vida de uma para outra e eu já não posso perder a oportunidade de deixar esse nosso antigo romance para lá... mas acontece que eu ando tão cansada disso tudo, sabe. Eu quero alguém que se aceite e me aceite e que não queira me surpreender a cada momento só para ter controle sobre as situações. O que eu mais acho é homem que só quer me levar para cama. Que me chama para dançar na balada e se não me beija depois da primeira música, já perde o interesse porque só me quer para ser o seu troféu da noite. Quando te conheci, tu foste tão educado. Eu queria alguém educado assim, leve assim, tranquilo assim, alguém que me convidasse para comer um hambúrguer na lanchonete do seu Lorival, que não queira segurar o tempo todo na minha mão, que não corra para o facebook e mude seu status só para ter um status. Quero alguém que não me prenda, que não me controle, que não faça piadinhas quando eu decidir sair para a balada com minhas amigas ou decidir jantar com meu melhor amigo. Alguém que discuta comigo sobre livros, sobre política, sobre o que saiu no jornal hoje ou que simplesmente, abra seu coração e me conte com detalhes como foi seu dia. Quero somente o que for sincero e verdadeiro. Quero alguém que não tenha medo e que me tenha primeiro, como uma boa amiga. Alguém para confiar, para deixar entrar, para saber a senha do celular e mesmo assim não ler nenhuma mensagem porque a confiança é maior que isso. Quero conhecer um mundo interior de alguém diferente de mim, alguém que queira sombra e água fresca ao invés de se entregar a rotina competitiva desse mundo sombrio. Eu ainda não achei ninguém assim. Depois de você, os outros foram os outros, e só. Eu nunca mais esbarrei em alguém realmente bacana. Eu nunca mais esbarrei em alguém que frequente um museu, que tenha um diálogo interessante, que tenha algum livro para me emprestar e correr o risco de nunca mais vê-lo. Eu sou essa pessoa que convida, mas eles são as pessoas que não tem esse tipo de interesse. Eu nunca mais te vi. Nas segundas-feiras você nunca mais voltou. Em alguns sábados, eu nunca mais achei um recado numa folha qualquer do meu caderno da faculdade. Também, nem tenho notícias sobre ti. Se te amei, foi porque você foi a diferença entre essa normalidade chata desse mundo fútil. Se te amei um dia, percebo que não importa o que aconteça ou quantos outros homens eu volte a amar, partes de mim ainda serão felizes ao lembrar da tua existência e esse nosso amor, ainda vai permanecer adormecido dentro de mim. Você foi. E eu fiquei. E nunca esbarrei com esse alguém melhor que você, que você me disse que eu iria encontrar.

by Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 19 de maio de 2016

SOB A PELE DAS PALAVRAS HÁ CIFRAS E CÓDIGOS


A Flor e a Náusea



Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.


publicado em Antologia Poética – 12a edição – Rio de Janeiro: José Olympio, 1978, ps. 14,15 e 16)

terça-feira, 10 de maio de 2016

PARA SEMPRE



Para Sempre

Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas

  • ps. Este poema recebi de presente do amigo e bloguer VictorNany, como resposta a um comentário meu em um post dele, que falava de MÃE. Sou perdidamente apaixonado por esta mulher que me colocou no mundo, me criou e cria ainda até hoje, costumo dizer que não vivo sem ela, que é meu porto seguro, minha própria vida. Já não tenho mais meu PAI, e isso dói muito, mas minha mãe não sei como explicar esta minha dependência, acho que é todo o AMOR do mundo que tenho por ela, e não consigo imaginar minha vida sem ela. Agradeço a Deus todo dia por ela existir,  por eu ser filho dela e por estarmos ainda juntos, embora morando em cidades próximas. 

sexta-feira, 6 de maio de 2016

ANÁLISE



               Os muito Pessoas que conheci durante minha pequena vida, me permitiram procurar meus eus perdidos dentro de mim. Tentar entender aquele que por vezes ao ver no espelho não reconheço, mesmo sendo meu reflexo. Já o vi chorando. Já o vi sorrindo, e nos vários instantes apesar de ser um, parecia muitos, outros e estranhos. Stanislavski me ensinou ensaiar vivendo, assim como Kundera me disse uma vez, que é impossível ensaiar a vida, apenas se vive. Então invento histórias e amores que um dia encontrei ou ei de encontrar, nas longas viajens pelo tempo, cruzando desertos, mares e florestas.

               Abres a porta e eu entro e sento e começo a falar, preciso confessar antes, que tenho personagens e que não é justo lhe ocultar isso, já que o que se pretende é uma analise da situação, da minha situação. Preciso falar a verdade de verdade, embora seja tudo real, mesmo este eu que se apresenta aqui. Respiro fundo e se incia o processo, entrar no personagem que não sabe as falas, que vão surgir aleatoriamente, bem como os demais personagens, nada se sabe, uma criação coletiva. Preciso deixar claro quem realmente sou, mas preciso de ti para poder me identificar, catalogar, analisar e ver com olhos de fora, quem realmente sou.

               Escrevia sobre pontes, sobre rios, sobre trilhos e trens, onde passavam árvores, plantações e riachos, cães e gado, cavalos e serafins...escrevia sobre como sair sem fazer alarde, sem chegar tarde, tão pouco ficar sentado, aqui no chão, conectado com Gaia e o Universo...escrevia sobre te escrever, sobre te dizer o que precisa ser dito para aliviar minha alma e te permitir me conhecer para me informar e me dizer que estou no caminho certo, ou não?



Os condenados miram a aurora
Com diferenciado prazer –
Pois, quando ao longe tornar a luzir,
Duvidam que possam vê-la.
O homem, que há de morrer amanhã,
Ao rouxinol do prado faz-se atento,
Pois seu trinar comove o machado
Sequioso de sua cabeça.
Feliz daquele, que a enamorada
Aurora precede – o dia!
Feliz aquele para quem
O rouxinol canta, sem cantar elegias.


Emily Dickinson por Ivo Bender