IPÊ ROSA - OUTUBRO ROSA |
Estava eu
atrasado, como de costume, mas cheguei há tempo na rodoviária
para embarcar no ônibus que me levaria até minha mãe,
que não estava passando muito bem. Minha poltrona é ao
lado de uma simpática senhora, que me sorri quando peço
permissão para sentar ao lado dela. Era setembro, em plena
floração dos ipês, árvore que gosto
muito, principalmente os ipês amarelos. O ônibus parte,
meu coração apertado, ansioso para ver minha mãe.
Acabo por adormecer, me acordando com um movimento brusco do ônibus.
A senhora do meu lado sorri. Devolvo o sorriso e brinco dizendo que
sonhava com aquelas árvores que se estendiam como um imenso
túnel de ipês amarelos. Ainda em meio ao sorriso olho
para a rua, e me encanto com o que vejo, um túnel de ipês
amarelos, meus favoritos. Falo com a senhora admirando os ipês,
mas percebo que ela nem liga. Não consigo me conformar, que
alguém não ache bonito esta árvore (se bem que
gosto é gosto, não se discute). Ela se vira para meu
lado, e vendo minha decepção por não concordar
comigo e o resto do mundo, começa a me contar seu trauma com
ipês... ela me contou que tem filhos, e a caçula na
época do ocorrido era bem pequena e sofria de alergia, e na
quadra dela, na rua, todos se orgulhavam desta bela árvore
que no final de agosto já começa a parecer. Já
em setembro, olhando do meio da rua percebe-se uma bela perspectiva,
afinal era primavera, a estação das flores, dos amores.
Mas sua filha sofria muito com a árvore de ipê na frente
sua casa, e crescia para dento do pátio chegando até a
janela do quarto da menina, que era chamada de rena do nariz vermelho
pelos irmãos. Ela não aguentando ver o sofrimento da
filha, pediu ao marido que cortasse aquela árvore na frente de
sua casa. Ele já havia feito várias solicitações
para ser autorizado para cortar árvore. Bem, estamos no
Brasil, onde a máquina pública, até funciona,
mas numa lenta, quase parada burocracia. Não aguentando mais
ver o sofrimento da filha, resolveu por conta própria cortar
as dita árvore. A essas alturas eu já estava quase
chorando de pena da pobre árvore, que estava com seus dias
contados. Contratou um senhor que fazia o serviço e possuía
uma condução, combinou com ele uma manhã bem
cedo e cortou a árvore, já colocando seus restos
mortais no carro do lenhador, que com uma pequena serra elétrica
fez o serviço e deu sumiço na árvore...ela disse
que sofria varrendo a calçada, e se chovia ficava perigoso,
podendo resvalar nas flores coladas no chão. Eu já
quase chorava pela árvore agora morta e sumida. A vizinhança
não percebeu, o marido não acreditou, aliás nem
havia percebido quando chegou em casa. A viagem continuou, ela pegou
no sono e eu ali, pensando, sofrendo por uma árvore que nem
conheci. Mas tirei uma grande lição, uma mãe é
capaz de tudo para proteger e criar com segurança e saúde
seus filhos. Como ninguém percebeu, a rua continuou florindo
seus ipês todo final de agosto, menos na frente daquela casa,
da menina do nariz vermelho, que não ficava mais vermelho
entre agosto e setembro.
ps. Este amor que a pessoa/personagem tem pela filha é incondicional, nada poderia fazer sua filha sofrer, o que me leva a pensar em minha mãe, único amor verdadeiro em minha vida. Esqueci do Teimoso (meu cão que adotei) que está me ensinando a amar de novo, que é possível meu coração ainda bater forte e descompassado como dos apaixonados.