Ontem,
não resisti ao passar por um jardim e avistar uma margarida
desabrochada. Rapidamente meti a mão por entre as grades e apanhei a
bela flor e carreguei comigo para o trabalho...Hoje a vejo caída
sobre o computador, morta. Suas vivas pétalas brancas arriadas, como
se fosse um último suspiro, seu miolo amarelo ficando opaco como o
olho de um peixe morto...e tudo por um egoísmo que não faz sentido,
não bastava vê-la e guardá-la na mente?, numa bela memória?,
mas antes de pensar isso, minha mão já estava com a flor, que
parecia sorrir para mim no trajeto, agora sei, era dor, a dor da
morte. Até a agonia da flor é bela, como um poema triste.
Setembro ainda não me sorriu com uma bela árvore de ipê amarelo,
carregado de flor no meu caminho. Setembro tem o dia da árvore e
também é um mês de alerta contra o suicídio. Um poeta disse uma
vez que existem flores amarelas e medrosas, e por muito tempo
acreditei, embora Van Gogh tenha explorado as várias faces do
amarelo, fazendo luz, claridade aos caminhos. E ela continua ali, na
minha frente, morta. Minha margarida morta por meu egoísmo, por
minha vaidade...O amarelo vem do Sol, que aquece e traz alegria. Os
risos na beira dos rios, de crianças inocentes, brincando sob o
calor amarelo do Sol. Agora sofrendo com a agonia de morte da
margarida na minha frente, sobre o meu computador. E não precisava
de nada disso, bastava eu ter olhado mais atentamente ao jardim que
posso ver pela janela, bastando me virar um pouco mais para a
esquerda, as margaridas em botão, prestes a abrir para a vida, para
a cor, para a beleza de setembro, que ainda não me sorriu com sua
mais bela árvore, o ipê amarelo...enquanto setembro adentra e se
equilibra para que as flores possam nos brindar com sua bela, suas
cores e felicidades, guardemos no coração o desejo de vida, de
amor, de esperança, que o amarelo da Mãe Oxum nos proteja do mal,
da morte, da dor, da solidão. Esperemos que o Sol de setembro
derrame sobre nós as alegrias de sua cor amarela, do seu brilho,
da sua luz, fazendo com que as margaridas fiquem vivas em minha
janela e que meu desejado ipê amarelo sorria para mim.
“cantaremos
o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois
morreremos de medo
e
sobre nossos túmulos nasceram flores amarelas e medrosas.”
by Carlos Drummond de Andrade