sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

ÂNSIA ANÁLOGA A ÂNSIA




 
PSICOLOGIA DE UM VENCIDO


Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
 
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
 
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
 
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
 
by Augusto dos Anjos

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

NÃO ME DEIXE SÓ

 
Não me deixe só
Eu tenho medo do escuro
Eu tenho medo do inseguro
Dos fantasmas da minha voz

Não me deixe só
Tenho desejos maiores
Eu quero beijos intermináveis
Até que os olhos mudem de cor

Não me deixe só
Eu tenho medo do escuro
Eu tenho medo do inseguro
Dos fantasmas da minha voz

Não me deixe só
Que o meu destino é raro
Eu não preciso que seja caro
Quero gosto sincero do amor

Fique mais, que eu gostei de ter você
Não vou mais querer ninguém
Agora que sei quem me faz bem

Não me deixe só
Que eu saio na capoeira
Sou perigosa, sou macumbeira
Eu sou de paz, eu sou do bem mas

Não me deixe só
Eu tenho medo do escuro
Eu tenho medo do inseguro
Dos fantasmas da minha voz

Não me deixe só
Eu tenho medo do escuro
Tenho medo do inseguro
Dos fantasmas da minha voz

by Vanessa da Mata

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O EXAME



Acordou com o despertador, seis horas. Esfregando os olhos não lembra se ouviu ou não um galo cantar, ao longe. Já pronto, saiu. Se esquecesse a fome pelo jejum, com certeza era um bom dia que iniciava. Sentiu um certo alívio ao caminhar até o ponto do Ônibus, que estranhamente aguardava. Sim, era um bom dia. Passado algum tempo, consultou o relógio e começou a procurar, pela janela, um laboratório. Lembrou das aulas de ciências no laboratório da escola. Examinar, para descobrir a causa do mal, às vezes experimentando. Sentiu um arrepio quando o ônibus parou em frente ao laboratório.
Acordou. Não eram seis horas. O relógio ainda não despertou. Hoje tem certeza de que um galo, ao longe, cantou. Neste infinito mar de concreto, que do prédio mais alto, mesmo assim continua-se vendo um mar de concreto. Um infinito de pedras. Ele sabe, um galo cantou. Ansioso, está pronto. Sentado, olhando a porta, aguardando a hora de sair de casa. Desta vez o ônibus não aguarda, mas suas pernas acompanham a ansiedade e começam a caminhar. Pessoas. Carros. Semáforos. Poluição. Pessoas. Carros...Laboratório. Lembra do pequeno pedaço de seu corpo deixado. Da presença de seu médico, sempre tão humano e profissional. Confiava nele. Uma semana se passou. É só pegar o exame, que está pronto com o resultado final. Viver ou Morrer. Incerteza.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

QUERIA FALAR SUA LÍNGUA





Nada ficou no lugar
Eu quero quebrar essas xícaras
Eu vou enganar o Diabo
Eu quero acordar sua família
Eu vou escrever no seu muro
E violentar o seu rosto
Eu quero roubar no seu jogo
Eu já arranhei os seus discos

Que é pra ver se você volta
Que é pra ver se você vem
Que é pra ver se você olha pra mim

Nada ficou no lugar
Eu quero entregar suas mentiras
Eu vou invadir sua alma
Queria falar sua língua
Eu vou publicar seus segredos
Eu vou mergulhar sua guia
Eu vou derramar nos seus planos
O resto da minha alegria

Que é pra ver se você volta
Que é pra ver se você vem
Que é pra ver se você olha pra mim 2X
 
by Adriana Calcanhoto

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

PÁSSARO

 

"Quase como se tivesse recebido a, um pássaro azul pousou no parapeito da janela e começou a pular para trás e para frente. Papai enfiou a mão numa lata sobre a bancada e, abrindo a janela, ofereceu ao pássaro uma mistura de grãos que ele devia  guardar exatamente para isso. Sem qualquer hesitação e com aparente ar de humildade e gratidão, o pássaro foi direto para a mão dela e começou a comer."

Trecho do livro "A CABANA" de William P. Young

ps. Recebi no meu email umas fotos de uma amiga, a Helena, aquela das nuvens, digo, que olhava nuvens comigo e que me inspirou o poema Nuvens, na foto ela alimentava uma pomba rola selvagem, e não consegui colocar aqui no blog, neste post(continuo lesado de tecnologia). Quando trabalhávamos juntos ela alimentava os pombos que apareciam, na verdade eles já íam para comer e ela sempre tinha a comida deles. Às vezes eu dava comida quando ela não estava, embora tivesse medo dos pombos, eles possuem doenças, enfim...ela falava com eles e parecia que eles sabiam que era ela, pois nesta foto ela me prova que atravessou o portal existente entre nós  e os animais, não os de estimação, mas os completamente livres do homem.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

REJEIÇÃO

123ddfscfsvsevw





FALA

Eu não sei dizer
Nada por dizer
Então eu escuto

Se você disser
Tudo o que quiser
Então eu escuto

Fala
Fala

Se eu não entender
Não vou responder
Então eu escuto

Eu só vou falar
Na hora de falar
Então eu escuto
 
Fala

by Secos e Molhados


Falar. Calar. Silêncio. Palavra. Silêncio.
Caminhava nestas ruas do tempo do Imperador e sentia-me acolhido, aceito até no meio das pessoas do povoado. Ninguém me chamou para dormir na sua casa, mas ninguém manifestou desaprovação para qualquer movimento que faça. Pensei estar me adaptando, fazendo a lição de casa, e no meu silêncio, cativando e sendo cativado. Tudo em paz. Minha solidão, dorme preguiçosa numa rede na varanda da casa. Novo ano, nova cidade, possibilidade de uma nova vida, saudável, mais telúrica. Conectar-me a natureza, respeitar e conquistar respeito das pessoas. Ser tolerante, levar muito a sério o respeito ao próximo...minha alma finalmente descansa, até receber o maior e último golpe no ano que passou. Rejeição. Fui excluído, ignorado, simplesmente fui banido do jogo de confraternização dos funcionários onde trabalho, chamaram ex-funcionários, vizinhos, mortos, enfim, todo mundo, menos eu. Me senti péssimo, foi o pior dia de trabalho neste novo local, imaginei pessoas reunidas conspirando para me manter afastado. Sou paranoico...mas passou, passou a grande dor, uma leve angústia ficou no seu lugar. Então retorno ao meu casulo concreto e abstrato e revejo minha vida a partir daqui. Falar. Calar. Silêncio. Palavra. Silêncio.
 

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

E O AMOR RESULTOU INÚTIL

 
 
 
                    
 
 
 
            Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


                      by Carlos Drummond de Andrade