terça-feira, 29 de outubro de 2013

BOCA DO ESTÔMAGO





Não era o resgate do soldado Ryan, não era, agora tinha certeza, ou quase... não passava de mais um exercício desse primeiro ano de cadete... pensamentos esparsos, umas angústias, umas dores, umas fomes de dois dias.


Ainda lembrava a última tentativa de conversa com o pai, e se resignava pensando porque não levou adiante a conversa sobre vegetais comestíveis, preferiu voltar ao seu mundo virtual, a intimidade e liberdade do próprio quarto. Podia-se ver no seu olhar distante, algo que ultrapassou o cansaço e a fome “a gente não quer só comida comida comida” ...adormeceu..

Os frangos assados flutuantes que sobrevoam sua cabeça, distantes da boca, distante dos sonhos e pesadelos, distante de um estômago que reclama alto, implora. Era alta madrugada quando seu estômago começou a revirar-se, esta era a palavra que pensava enquanto a dor aparecia em tempos sincopados e lugares alternados, mas todos no estômago. Uma tempestade, pensou, as dores eram relâmpagos, e o movimento das nuvens negras com a ventania, seria o estômago no auge do temporal. Contorcia-se. Rolava na cama. Se enrolava no edredom. Agora eram socos na boca do estômago. Sempre achou estranho chamar “boca do estômago”, então esta boca deve ter comido algo que não podia. Mas não lembra de ter comido algo antes de dormir, antes de dois dias, aliás não lembra se dorme, se sente dor, se...acordou...

Não estava na cama e não tinha edredom, era lama, galhos, folhas secas, mas a história do frango não era só um sonho/pesadelo, estava ali na frente dele, com todo aquele aroma, aquela suculência, mas estava nas mãos do Capitão, que havia dito: - Quem pedir um pedaço, já sabe do castigo.





segunda-feira, 28 de outubro de 2013

EU ESCREVI UM POEMA TRISTE



O dia em que nada deu certo...


Acordei atrasado, tropeço, queima o chuveiro, perco o coletivo que só passará daqui uma hora, caminho esta uma hora até o trabalho. Chego.

É segunda-feira e começa a semana com todas as más notícias de sempre, mortes no oriente, fome na áfrica, assassinatos em massa no brasil, fome, dor, políticos ladrões, o caos, ou seja, uma segunda-feira normal.

Foram dois longos dias neste final de semana, o suficiente para chegar a grande e única solução: - A única solução é morrer. - Parece um tanto trágico, mas sou assim, depois de tanto tempo acreditando na possibilidade de viver em paz, de alguma coisa dar certo, de um amor surgir de um jardim pelo qual eu passo...frustração, este é meu nome. Equívoco, meu sobrenome.

Gostaria de ouvir Amália Rodrigues e chorar até não aguentar mais, quem sabe alivio a dor que carrego no peito e que não tem solução.

O dia se arrasta e...    


Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!


Mário Quintana

ps. Sabe aquele dia em que a intuição diz para não sair da cama, e não ouvimos a intuição e saímos ? Eu encontro esta segunda-feira.
Bem feito para mim.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

E A AMARGURA E O TEMPO

Agonia-2-Tania



Agonia


Oswaldo Montenegro





Se fosse resolver

Iria te dizer

Foi minha agonia



Se eu tentasse entender

Por mais que eu me esforçasse

Eu não conseguiria



E aqui no coração

Eu sei que vou morrer

Um pouco a cada dia



E sem que se perceba

A gente se encontra

Pra uma outra folia



Eu vou pensar que é festa

Vou dançar, cantar

É minha garantia



E vou contagiar

Diversos corações

Com minha euforia



E a amargura e o tempo

Vão deixar meu corpo

Minha alma vazia



E sem que se perceba

A gente se encontra

Pra uma outra folia





sexta-feira, 18 de outubro de 2013

SARAVÁ VINICÍUS DE MORAES




A rosa de Hiroxima


Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada





Quanta tristeza
Há nesta vida
Só incerteza
Só despedida

Amar é triste
O que é que existe?
O amor

Ama, canta
Sofre tanta
Tanta saudade
Do seu carinho
Quanta saudade

Amar sozinho
Ai de quem ama
Vive dizendo
Adeus, adeus





Nunca fui covarde
Mas agora é tarde
Amei tanto
Que agora nem sei mais chorar

Vivi te buscando
Vivi te encontrando
Vivi te perdendo
Ah, coração, infeliz até quando?
Para ser feliz
Tu vais morrer de dor

Amei tanto
Que agora nem sei mais chorar

Nunca fui covarde
Mas agora é tarde
É tarde demais enfim
A solidão é o fim de quem ama
A chama se esvai, a noite cai em mim




Amigo porteño si ves por la calle
Una chica morena
Con ojos ardientes
Y un aire de alguien
Que quiere volar
Parala y decile
Que existe un poeta
Que muere de celos
Y que ojos ajenos
Se Ilenan de sueños
Al verla pasar
Decile mi amigo
Tu que solo llevas
El tango en Ias venas
Decile porteño
Que yo simplemente
Ya no puedo mas

Busca convencerla
Que tengo mi pecho de amor tan herido
Que sin su mirada
Mi siento perdido
Que mucho le pido
Me vuelve a mirar
Gritale en la calle
Que existe un poeta
Que le hace un pedido
Que solo le pido
Que olvides el olvido
Porque quien lo busca
No puede olvidar



Que hei de fazer de mim,... (s/ título)

Que hei de fazer de mim, neste quarto sozinho
Apavorado, lancinado, corrompido
A solidão ardendo em meu corpo despido
E em volta apenas trevas e a imagem do carinho!

Defendido, a me encher como um rio contido
E eu só, e eu sempre só! ó miséria, ó pudor!
Vem, deita comigo, branco e rápido amor
Risca de estrelas cruéis meu céu perdido!

Lança uma virgem, se lança, sobre este quarto
Fá-la que monte no teu sórdido inimigo
E que o asfixie sob o seu púbis farto

Mas que prazer é o teu, pobre alma vazia
Que a um tempo ordenhas lágrimas contigo
E outras enxugas, fiéis lágrimas de agonia!



Solidão

Rio de Janeiro

Desesperança das desesperanças...
Última e triste luz de uma alma em treva...
- A vida é um sonho vão que a vida leva
Cheio de dores tristemente mansas.

- É mais belo o fulgor do céu que neva
Que os esplendores fortes das bonanças
Mais humano é o desejo que nos ceva
Que as gargalhadas claras das crianças.

Eu sigo o meu caminho incompreendido
Sem crença e sem amor, como um perdido
Na certeza cruel que nada importa.

Às vezes vem cantando um passarinho
Mas passa. E eu vou seguindo o meu caminho
Na tristeza sem fim de uma alma morta.



Soneto a quatro mãos

(com Paulo Mendes Campos)

Tudo de amor que existe em mim foi dado.
Tudo que fala em mim de amor foi dito.
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito.
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

ENCAIXE






Já fazem alguns dias, acho que na verdade meses que não o vejo, que não lhe dou um abraço. Chego ao portão próximo do meio dia e vejo as crianças voltando da escola, correndo ao encontro dos braços de seus pais, e eu aqui, parada no portão, quase me arrastando para ter essa lembrança um pouco mais forte, como se fosse possível, pois foi a única coisa que restou. Meu filho não veio correndo para meus braços, ele não é mais um menino; nem me telefonou para saber se vivo ou morro. Me alegra o coração a gritaria dessas crianças, pena que nenhuma chegou aqui. Não tenho mais crianças. Ele cresceu e foi embora e nunca volta, nunca volta...


...Toca o telefone, e muito devagar ela se encaminha para atendê-lo, quando ouve a voz sumida há muito tempo, do outro lado:

Oi mãe, tá bem ? - ela não acreditou, era ele, já não fazia idéia do tempo que não o via, desde, desde há muito tempo. Continuou – mãe, nasceu teu neto, mas como foi de cesariana acabamos nos ocupando muito, é trabalho, a vida, a senhora sabe...depois nos mudamos... - do outro lado do telefone, ela ouvia aquela voz quase perdida, nunca esquecida, e agora, ali, ela ouvia sofrega, bebendo cada sílaba das palavras pronunciadas pelo filho distante, a espera do convite, do chamado, então ele diz:

Mãe, eu estava pensando, já faz algum tempo que não nos vemos, eu sinto saudade, então achei um tempo para te encaixar, daí vou te buscar e poderás conhecer teu neto, e depois te levo de volta.

Ela quase não acreditou no que ouviu, que seu filho que não via há muito tempo, aparece, por telefone e diz na sua cara que vai achar uma buraco e encaixá-la, o que não está muito distante do enxotá-la, ser usada e descartada pelo próprio filho, aquele que mamou até os três anos nos meus seios, que não dormia sem a minha presença, que eu dei todo o meu amor incondicionalmente, deixei de sair, viver, dormir, para cuidar com todo o meu carinho e na primeira oportunidade, desaparece, agora que precisava de alguém, um apoio, um sorriso, ele só quer me encaixar e depois desencaixar e jogar lá no fundo do baú, caso algum dia lembre e de vontade de sentir um amor incondicional.

AMOR E MORTE





Amor e Morte
Julio Reny

Você me fala dessas coisas de amor e luar
Você não tem muita chance
Você que manda flores
E diz que o seu negócio é romance

Você tem olhos perfeitos
Garra bonita, coxas iguais
Você tem quase tudo
Para ser considerado um belo rapaz

Mas no seu beijo falta corte
Mas no seu beijo falta corte
Dispense a lua baby e me dê
E me dê amor e morte

Amor e morte
Amor e morte
Amor e morte

Você diz que o amor
Só pode rolar a toda velocidade
E que uma gata tem que andar muito ligada
Por esse pique de cidade

Você às vezes parece James Dean
E realmente a gente
Sente vontade de roçar
Nesse blue jeans
Mas no seu beijo falta corte
Mas no seu beijo falta corte
Venha com tudo baby
E me dê amor e morte

Amor e morte
Amor e morte
Amor e morte



quinta-feira, 10 de outubro de 2013

AMOR E VIOLÊNCIA







Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
By Carlos Drummond de Andrade



Sim, meu coração está seco, não ama ninguém que eu quisesse devorar...até já amou um dia quando achava que era feliz e que o mundo era bom e não violento... Apesar da tarde arrastada, da falta de tempo para o trabalho, para a vida, aguarda-se ansioso o deslindar do processo de aumento de salário. A votação talvez demore, todos estão lá na frente da instituição que votará, menos eu, que aproveitei a saída de todos de casa para vir ao sótão e ficar sentado como estou agora, em posição de lótus, como se fosse meditar e apenas pego uma caixa empoeirada embaixo de alguns papéis soltos...abro a caixa e encontro uma carta, logo percebo que foi a última que recebi de um amor perdido, após dizer que não amava, embora existisse um sentimento muito puro entre nós, mas eu não queria seu corpo como querias o meu. Abrindo a carta para reler mais uma vez, recebo uma mensagem dizendo da possibilidade de não votarem meu aumento...


...blackblock – pensei neles quando soube que não votaram o mínimo reajuste que dariam para meu salário, não passa de 7% em 3 vezes, pensei neles, de quanto eu gostaria que eles estivessem lá, na votação, e com a negativa, uma manifestação em que eles atuariam, jogando o grande tijolo que senti vontade de jogar na instituição que não votou meu salário...quase entendi a necessidade da destruição para o renascimento, quanto ao anarquismo, não sei se eles falam em renascimento, eu só consigo ver a destruição total, por um motivo qualquer, e se tiver platéia, melhor será a atuação. Assim foi com os professores no RJ, ou qualquer outra manifestação que junte mais de 10 pessoas, tem um blackblock para incitar e praticar baderna, quebra-quebra, ou atitudes anarquistas, como preferem alguns. A violência não leva a nada, a não ser a mais violência, e agora voltaram a usar balas de borracha em manifestantes, logo serão balas de verdade, metralhadoras, fuzis, invasão de casas, pessoas sendo arrastadas para um local desconhecido, e provavelmente não voltarão nunca mais...

a carta:



Olá, espero que esta missiva te encontre bem, tão bem quanto me encontro, ou tento, agora que me sinto livre de ti. Meu coração deu sinais de salvação, não sangra mais, levemente dolorido. Mas agora começa a cicatrização, logo estarei melhor ainda........................Cansei de esperar o inesperado. Cansei de sonhar contigo e acordar chorando. Cancei de chorar...estou seco. Estou com raiva de mim. Tanto tempo perdido. Tanto amor desperdiçado. Não tenho mais esperança, ela foi....................Achava graça de todas tuas piadas sem graça, te protegia enquanto todos riam de ti...estive ao teu lado na tua mais profunda depressão.......................Perdi tanto tempo te olhando, admirando, te querendo, te esperando. Andava leve, quase flutuava, me sentia feliz (eu achava, eu achava)...................Os anos verdes foram negros, mas eu não conseguia ver, estava encantado com teus olhos. Tuas falas que ouvia como poesia, eram maldições, pragas e mal agouros. As migalhas que recebia, quando recebia, prar mim eram banquetes. Te esperava feliz, enquanto rias com os outros.......................Outro dia assistindo ao vídeo de nossa formatura, flagrei nosso abraço de comemoração, o brilho nos meus olhos eram lágrimas, um misto de felicidade e tristeza. Felicidade pela formatura e tristeza, porque não teria mais motivo para estar próximo de ti, embora naquele tempo já nem nos falávamos mais...anos e anos de isolamento do mundo e de todos, remoendo minha dor, meu fracasso de não conseguir te conquistar......................











quarta-feira, 9 de outubro de 2013

SINAIS DE FOGO





Sinais de Fogo
by Preta Gil, Ana Carolina Antonio Villeroy

Quando você me vê eu vejo acender
Outra vez aquela chama
Então pra que se esconder você deve saber
O quanto me ama...

Que distancia vai guardar nossa saudade
Que lugar vou te encontrar de novo
Fazer sinais de fogo
Pra você me ver...

Quando eu te vi, que te conheci
Não quis acreditar na solidão
E nem demais em nós dois
Pra não encanar...

Eu me arrumo, eu me enfeito, eu me ajeito
Eu interrogo meu espelho
Espelho que eu me olho
Pra você me ver...

Porque você não olha cara a cara
Fica nesse passa não passa
O que falta é coragem...
Foi atrás de mim na Guanabara
Eu te procurando pela Lapa
Nós perdemos a viagem...

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

MONÓLOGOS DA SOLIDÃO: PRIMAVERA


vulcão



*É sempre na sombra da madrugada

que bate a fome da palavra

é sempre ali no meio,

quase final da noite

quando impera

a solidão

é a hora dos gritos

é a hora da assombração...





Não é um canto de desesperança, palavra não tão bela quanto esperança, mas o signo temporal que atravessa segundas, fundindo-as nas sextas. É um canto de desamor, porque este como bem disse um poeta, é o que resta nos farelos de humanidade, que ainda existe no coração do homem moderno, bem, o moderno dele era 1776...deixei meus pudores e medos e vergonhas e caminhei por caminhos verdes, azuis e amarelos, encontrei amigos e inimigos, um longo aprendizado, não só com o que se diz, mas com o que nos chega, o que procuro ?

Como um Azimov às avessas, (...ás avessas é o nome de um blog que sigo), removo das entranhas de meus sonhos e pesadelos, e retorno antes e através do espelho, remontando as cavernas que hibernaram seres de antes de eu existir. Os que me brindaram com esta herança arquetípica, enraizada não só no sangue, mas no sangue do sangue, ou antes do sangue também. Só sei que não quero as modernices, nem partir daqui, apenas, quem sabe, por pena de um anjo caído, talvez...

*Eu perco a chaves de casa
Eu perco o freio
Estou em milhares de cacos, eu estou ao meio
Onde será que você está agora ?

...saí cantarolando como se dissesse adeus, vencido, mais uma perda, mas se não fosse Lya Lutf, com certeza seria bem pior, assim como essa música que cantarolo ao mesmo tempo que escrevo, tentando repetir um feito que para as mulheres é natural, fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, e bem. As mulheres, os pássaros e as árvores, são os seres mais poderosos que conheço, elas dão à luz a novos seres, eles voam, que é um poder muito poderoso, e as árvores podem crescer, crescer...

Mas estou em casa novamente, poderei trancar a porta e mergulhar no mundo que é só meu, onde eu tenho o poder supremo, onde respiro meu ar, como minha comida, tenho meu prazer e minha angústia, minha vida, minha morte. Meu blog do jair ou histórias de músicas e pessoas.




*by Anais – do blog Sozinha na Madrugada

**by Adriana Calcanhoto