UMA VESTE PROVAVELMENTE AZUL
Eu
estava ali sem nenhum plano imediato quando vi dois homenzinhos
verdes correndo sobre o tapete. Um deles retirou do bolso um
minúsculo lenço e passou-o na testa. Pensei então
que o lenço era eito de finíssimos fios e que eles
deviam ser hábeis tecelões. Ao mesmo tempo lembrei
também que necessitava de uma longa veste: uma muito longa
veste provavelmente azul. Não foi dificil subjugá-los e
obrigá-los a tecerem para mim. Trouxeram suas famílias
e levaram milênios nesse trabalho. Catástrofes
incríveis: emaranhavam-se nos fios, sufocavam no meio do pano,
as agulhas os apunhalavam. Inúmeras gerações se
sucederam. Nascendo, tecendo e morrendo. Enquanto isso, minha mão
direita pousava ameaçadora sobre suas cabeças
by Caio Fernando Abreu
by Caio Fernando Abreu
ps.( um leve desbafo) Jejum de palavras, é o que preciso para sobreviver aqui, como forasteiro que sou, descubro que não tenho direito a palavra. Sou chato, gosto das coisas como devem ser, profissionalmente é claro, mas as coisas são o que são com o tempo, e as pessoas que manipulam, que fazem, trabalham, tem este costume como lei. E um forasteiro como eu, que conheço o trabalho que faço hoje, já fazia em outros lugares, então tudo o que disser será rechaçado, não tenho de dar opinião, nem reclamar, principalmente reclamar. De quem eu pensei ter sido bem recebido, descubro que sou um atraso, um incomodo, alguém que veio trazer novas-velhas formas de trabalhar, outros assuntos, enfim, realmente não sei o que faço aqui, mesmo tendo escolhido. Aguardarei sem silêncio, num jejum de palavras, que Deus me dê um sinal, para eu poder continuar em paz, a paz que descobri nesta cidade.