sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

POR UMA LÁGRIMA TUA


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Lágrima

Cheia de penas me deito
E com mais penas me levanto
Já me ficou no meu peito
O jeito de te querer tanto

Tenho por meu desespero
Dentro de mim o castigo
Eu digo que não te quero
E de noite sonho contigo

Se considero que um dia hei-de morrer
No desespero que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile no chão
E deixo-me adormecer

Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias de chorar
Por uma lágrima tua
Que alegria me deixaria matar

  by Amália Rodrigues

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

OLHOS NEGROS


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Encontrei teus olhos negros hoje pela manhã e não acreditei, como não acreditei na violência nos presídios, nem das mortes inocentes nas cidades...senti um punhal atravessar meu peito e tocar meu coração. Enquanto olhava teus olhos de Medusa, paralisei. Os dias comuns se arrastam, repetindo o nascer e morrer do Sol todos os dias. Não sabia que eles eram tão negros, como noite sem luar, mais negros que todos os meus pesadelos juntos. Desci as escadas em paz com meu coração, ele pulsa, ele vive. Teus olhos negros nada me prometem, apenas me olham e me deixam nu, devolvo o olhar e vejo tua alma flutuando sobre nossas cabeças. Recolho-me em silêncio e lembro do domingo em lágrimas e ninguém para me oferecer um lenço ou me abraçar enquanto engolia o choro, como criança assustada, e me aquecia sentindo teu olhar sobre mim. Não busco o amor, não busco um abraço nem beijo, apenas um par de olhos negros que me olhem, e me vejam e conheçam meu sorriso. Um encontro pode ser um desencontro, e nunca mais ver teus negros olhos, apenas uma vaga lembrança que ira se apagando com o tempo. Estou em silêncio, e nada direi, apenas procurarei olhar teus olhos negros, como a treva que tomou conta de meu coração, mas sem o brilho que vem da tua alma e jorra pelos olhos negros, que me perseguem. Eu espero, contarei os dias, as noites e descerei e subirei as escadas que podem me levar ao céu ou ao inferno. Encontrei teus olhos negros pela manhã, e não consegui dizer nada, apenas devolvi o olhar e suspirei.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

SONO, SONHO E PESADELO


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Quantas noites ainda terei de passar aqui sozinho e com frio (devo estar delirando, passa dos 30 graus lá fora), minha visão é turva e não escuto muito bem. Perdi a conta dos dias deixado aqui, neste lugar que não consigo identificar as vozes e as caras que caminham em circulo, batendo em mim. Pensei no Expresso da Meia-Noite, mas aqui posso caminhar nos corredores sem fim e sem cor, até cansar e desmaiar e acordar na cama. Ninguém me diz nada, nada que faça sentido, ora se nega, ora se afirma. Estou confuso. Tenho apenas o travesseiro como confessionário, mesmo porque não teria o que dizer a um padre, e se dissesse, nada ele poderia fazer. Extrema unção? Talvez, daqui há muito tempo...deitado agora, de olhos fechados posso ouvir a chuva lá fora. Posso sentir as árvores se debatendo, como se dissessem algo, me mandassem um sinal. Que o tempo está passando, e a vida também, como uma bola rolando ladeira abaixo, rumo ao indizível, apenas se deixando levar. Poderia ler uma poema da Ana Cristina César ou ouvir Cássia Eller, mas meus sentidos estão perdidos entre o sono, o sonho e o pesadelo, enquanto a noite não passa, enquanto eu não passar...

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

CINZENTO CÉU

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SPLEEN

Quando o cinzento céu, como pesada tampa,
 Carrega sobre nós, e nossa alma atormenta,
E a sua fria cor sobre a terra se estampa,
O dia transformado em noite pardacenta;

Quando se muda a terra em húmida enxovia
D'onde a Esperança, qual morcego espavorido,
Foge, roçando ao muro a sua asa sombria,
Com a cabeça a dar no tecto apodrecido;

Quando a chuva, caindo a cântaros, parece
D'uma prisão enorme os sinistros varões,
E em nossa mente em frebre a aranha fia e tece,
Com paciente labor, fantásticas visões,

- Ouve-se o bimbalhar dos sinos retumbantes,
Lançando para os céus um brado furibundo,
Como os doridos ais de espíritos errantes
Que a chorrar e a carpir se arrastam pelo mundo;

Soturnos funerais deslizam tristemente
Em minh'alma sombria. A sucumbida Esp'rança,
Lamenta-se, chorando; e a Angústia, cruelmente,
Seu negro pavilhão sobre os meus ombros lança!

by Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães