Vésperas
de eleição, confesso que ando meio alheio a tudo que remete a
política. Estou alienado. Mas tudo é política. Seguindo o barco,
ouço o murmulhar das ondas batendo no casco...desligo o torneira que
lavava uma garrafa térmica, sim, térmica, uma das invenções
destes tempos, já banalizada. Sem o barulho da água saindo da
torneira, ouço o fervilhar de lava, de um vulcão, no árido
nordeste, como se não bastasse a fome, a seca. É só a água
fervendo, desligo o fogão, o gás...Eis que ouço ao longe, como se
fosse uma infância perdida, há muito tempo. É um discurso
inflamado, que ecoa na cozinha onde me encontro, vindo lá do fundo,
de dentro, de um celular, de um casarão. Penso na infusão, gosto
disso desde que vi num filme numa madrugada dessas de insônia. Na
infusão, do chá que gostaria de fazer com ervas do campo, colhidas
á pouco tempo por minhas mãos em um vasto jardim. Pisco, e estou
lendo antes de abrir o pequeno pacote colorido de vermelho: chá de
maçã. Meus ouvidos me levam a ver meu pai na cozinha ouvindo seu
rádio, e preocupado com os colegas de trabalho no sindicato, devido
a perseguição de ditadura que comandava o país naquele tempo. Eu,
nem tão pequeno para entender, nem tão grande para sentir a
atmosfera daqueles tempos de chumbo. Coloco o saxe na garrafa
térmica, e continua o discurso de um candidato, não mais lá na
minha infância, mas agora no meu mundo adulto de hoje. Peguei minha
garrafa térmica e corro pelo corredor, de volta por onde vim, com
um peso de angústia no peito. Não acredito nos meus ouvidos, como
fantasmas em forma de memórias tristes, de dor e tortura, de morte
e de vala coletiva de cadáveres. De pessoas que não apareceram até
o dia de hoje. Corri pelo corredor, tranquei-me na sala e voltei, aos
poucos, aos batimentos cardíacos normais, ainda não aconteceu.
Vésperas de eleição...
ps.
Caríssimo
amigo Xaverico, muito me alegra tua presença e comentário neste
blog, obrigado. Este post traduz um pouco minha angústia. Adoro
televisão, desde muito pequeno, tenho muitas memórias
afetivas...concordo em gênero, número e grau com teu comentário.
Vivemos tempos delicados, de fúria e paixões radicais. Sim,
merecemos ser felizes...eu aqui agradecido com tua amizade virtual/de
verdade e desejo que esta mesma felicidade que merecemos seja imensa
na tua vida. Carinho respeito e abraço.