segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A SOLIDÃO ME ENSINA




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Mirada Secreta

Foram-se
 os amores que tive
Ou me tiveram. Partiram
Num cortejo silencioso e iluminado.
A solidão me ensina
A anão acreditar na morte
Nem demais na vida: cultivo
Segredos num jardim
Onde estamos eu, os sonhos idos,
Os velhos amores e os seus recados,
E os olhos deles que ainda brilham
Como pedras de cor entre as raízes.



by Lya Luft




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terça-feira, 11 de dezembro de 2018

NA ÁGUA QUE CANTA, NO FOGO MORTIÇO

     
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Barco Negro


De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.[Bis]

Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:

São loucas! São loucas!

Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.[Bis]

No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo

by Caco Velho e Piratini
na voz  Amália Rodrigues ou
Margarida Guerreiro

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O TEMPO SECO

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Arrastando um feixe de ossos, estrada a fora. Ossos catados na seca do nordeste, ossos de animais e alguns crânios humanos, muito pequenos. Eram de crianças mortas pela seca, pelo abuso, pela fome, pelo trabalho escravo infantil. Morrem muitas crianças neste país. O tempo seco, a terra esturricada, levanta poeira a cada passo dado. O Sol escaldante sobre a cabeça, que é ornamentada com um chapéu, velho, surrado, sujo pelo tempo. É um castigo, a pena eterna, vagar por estas terras secas e vazias de alma e de verde, pois tudo está seco, cadavérico e pequeno, como se os arbustos tentassem, mas o Sol que também dá vida, não permitia, seus raios impiedosamente atingiam as plantas, as sementes, as raízes...Vagando sem destino, arrastando ossos e remoendo dores e mágoas, medos e abandono e solidão. O dia se estende, os pés já não sabem mais, se pisam ou flutuam, as dores adormeceram os passos, que seguem, ad infinitum...Olhando para trás, o que ficou, não tem mais jeito. Águas passadas não movem moinhos, mesmo um Quixote iludido, assim seguia sua saga, sua sina. Arrastando os ossos no deserto de vidas, onde o passado deixou de assombrar, apenas os mortos continuam vivos em seu coração, que dilacerado e infeliz, teima em bater, levando sangue para o cérebro, para todo o corpo, que se sente morto. Se ao menos o coração parasse de bater, se juntaria aos mortos que tanto amava e que o deixaram assim, perdido, só, arrastando um feixe de ossos, estrada a fora.

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quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

"Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!"


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As luzes brilham nos postes, e meus olhos brilham no escuro de uma lágrima que se perde em minha roupa de cama. Sei que lá fora o mundo continua, apesar de minha dor, de minha tristeza. Embaixo das árvores de plástico, ainda se percebe o sussurro de um menino triste, deitado no chão, brincando com uma formiguinha desorientada, sem suas pequenas antenas. Ele tenta falar com ela, mas ela não ouve, não entende, ele chora e uma lágrima afoga a pequena formiga. As luzes ainda brilham forte, sob um céu escuro e sem estrelas, do mar. São ciumentas, as luzes, e não permitem que as estrelas tirem seu brilho. Aos poucos o sono e o cansaço vão vencendo a dor e a angustia, deixando-me dormir em paz. Paz que logo acaba, com a chegada dos pesadelos, iniciando a ronda noturna, torturando ao longo da madruga...Agonia, Instante da vida que precede imediatamente o momento da morte, este era meu estado naquela tarde de pouco Sol e muitas nuvens e ventos, agonia. Não fosse o mal estar, era só se deixar levar para aquele plano brilhante que tudo se transformou, um pouco antes da náusea. Olhei para uma árvore e ela brilhava tanto que parecia me cegar por instantes, me jogando num fundo escuro e calmo e frio, mesmo assim, meu corpo suava, perdendo líquido, memórias e saúde. Tentei contar quantos passos conseguia dar, mas não saia do lugar, deixava de me comandar, envolto nos braços da morte. E fiquei ali, me olhando, enquanto algumas mulheres tentavam desesperadamente encontrar uma veia: traiçoeira, dizia uma delas, depois não ouvi mais nada. Aos poucos retornei ao que era antes, vivo. Algumas pessoas esperavam minha volta, só queria proteger minha mãe, então não morri. Acordo assustado, sento na cama e sinto que vivo, era um pesadelo...antes de pegar no sono, percebo que pela janela ainda entra uma luz artificial e brilhante, dos postes de iluminação.

by Jair Machado Rodrigues



(Muito obrigado Mário Quintana)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

EU SIGO ADIANTE

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Cocktail Party





Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas.
Estou triste porque vocês são burros e feios
E não morrem nunca...
Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos...)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças d'água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!





by Mario Quintana



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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

QUERO SER SOZINHO


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Lisbon Revisited

Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me fallem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!(*)

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
 
by Fernando Pessoa
  (Álvaro de Campos)

ps.
Nos meus piores momentos, este poema sempre me salvou,  me estimulou, me fez acordar e gritar comigo mesmo...mais uma postagem deste poema me faço necessário, para continuar vivo e feliz na minha infelicidade, que é a solidão. Acredito que a poesia salvará o mundo, meu mundo, que perco a cada dia um pouco mais,   até não restar mais nada em minhas mãos, como poeira ao vento, como o esquecimento. Tenho tantas lágrimas contidas...tenho tanto ressentimento comigo, que poderia me explodir ou jogar eu mesmo meu corpo num precipício sem fundo e sem fim...lá onde a dor deixa de existir, onde o coração deixa de bater também.