Os Ombros Suportam o Mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
by Carlos Drummond de Andrade
Ontem quando postei este poema do grande poeta imortal Carlos Drummond de Andrade, foi depois de passar a noite anterior vendo todos os telejornais possíveis e tanta guerra, tanta fome pelo mundo, e como músicas que decoramos por gostar, existem poemas dentro de mim que se manifestam, conforme vou vivendo minha vida, ou prestando atenção a tudo que nos cerca, mais o mal que nos ronda e está sempre pronto a atacar. As situações de hoje leva tudo para o fim, desentendimento, ganância, ausência de amor...Chegou um tempo em que viver se tornou muito difícil, mas temos a difícil missão de continuarmos a viver, e tentar fazer o melhor...viver apenas, sem mistificação.
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