sexta-feira, 25 de novembro de 2016

TRAGÉDIA BRASILEIRA





Resultado de imagem para morta em decubito dorsal vestida de vestido de organdi azul




Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade,
Conheceu Maria Elvira na Lapa, – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura… Dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos…
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de
inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.


by Manuel Bandeira )

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

RONDÓ DE EFEITO



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Olhei pra ela com toda a força.
Disse que ela era boa.
Que ela era gostosa,
Que ela era bonita pra burro:
Não fez efeito.
Virei pirata:
Dei em cima dela de todas as maneiras,
Utilizei o bonde, o automóvel, o passeio a pé,
Falei de macumba, ofereci pó...
À toa: não fez efeito.

Então banquei o sentimental:
Fiquei com olheiras,
Ajoelhei,
Chorei,
Me rasguei todo,
Fiz versinhos,
Cantei as modinhas mais tristes do repertório do Nôzinho.

Escrevi cartilhas e pra acertar a mão, li Elvira a Morta Virgem, romance primoroso e por tal forma comovente que ninguém pode lê-lo sem derramar copiosas lágrimas...

Perdi meu tempo: não fez efeito.
Meu Deus que mulher durinha!
Foi um buraco na minha vida.
Mas eu mato ela na cabeça:
Vou lhe mandar uma caixinha de Minorativas,
Pastilhas purgativas:
É impossível que não faça efeito!



by Manoel Bandeira



quarta-feira, 23 de novembro de 2016

VULGÍVAGA

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VULGÍVAGA
 
Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico!

Não sei entre que astutos dedos
Deixei a rosa da inocência.
Antes da minha pubescência
Sabia todos os segredos...

Fui de um... Fui de outro... Este era médico...
Um, poeta... Outro, nem sei mais!
Tive em meu leito enciclopédico
Todas as artes liberais.

Aos velhos dou o meu engulho.
Aos férvidos, o que os esfrie.
A artistas, a coquetterie
Que inspira... E aos tímidos
o orgulho.

Estes, caço-os e depeno-os:
A canga fez-se para o boi...
Meu claro ventre nunca foi
De sonhadores e de ingênuos!

E todavia se o primeiro
Que encontro, fere toda a lira,
Amanso. Tudo se me tira.
Dou tudo. E mesmo... dou dinheiro...

Se bate, então como estremeço!
Oh, a volúpia da pancada!
Dar-me entre lágrimas, quebrada
Do seu colérico arremesso...

E o cio atroz se me não leva
A valhacoutos de canalhas,
É porque temo pela treva
O fio fino das navalhas...

Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico!


by Manoel Bandeira






 
  

terça-feira, 22 de novembro de 2016

NÃO HAVIA MAIS NINGUÉM


Resultado de imagem para fumaça no  iraque de petróleo queimado, crianças com mãos sujas de óleo
 
Não havia mais ninguém, a praça encontrava-se vazia, não houveram aplausos, nem pedidos de bis. Na madrugada que amanhecia, conseguia ver uma Lua que enfrentava um Sol nascente, não querendo ir embora...mas todos já desistiram, e a Lua desapareceu na luz solar. Restos de uma grande festa ou batalha, divide espaço com ele e o vazio da praça. Nem sempre os anjos da guarda estão de guarda, e é justo nestes instantes, que desorientados, nos entregamos a esta orgia desenfreada por sexo, dinheiro e poder. A ordem certa é o poder vir primeiro. Caminha tropego pelas calçadas inundas, pára na frente de uma loja em que os televisores estão ligados, e se fixa numa tela, que contava a história de um país distante, em que o povo vivia dentro de uma guerra, sem participar, apenas serviam de escudo humano. Uma fumaça negra que mudava ao sabor do vento, onde então podia-se ver crianças mostrando as mãos sujas de óleo ou petróleo ou sangue, e juntos mostravam dificuldade de respirar, e uma tosse de moribundo. Pensou, olhando aquela cena, e vendo a praça vazia e imunda, até gostou de ver o que via. Quando volta olhar a televisão, as crianças sumiram mais uma vez no meio da fumaça. Não havia mais ninguém.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O CASTELO E O AR


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Subir à tona para respirar, como fazem os mamíferos que dependem da água para sobreviver. Enquanto sobrevivo com as migalhas de palavras, gestos e sinais dentro do castelo. Toda minha rotina, todo o meu não ser, enquanto permaneço dentro do castelo de Kafka e permaneço na biblioteca, onde me torno uma traça que não come papel, mas lê. Da biblioteca vou atá a masmorra, pensando seriamente em me jogar no lago que cerca o castelo, cheio de crocodilos. Olho para a rua lá de cima e vejo o pasto verde, árvores floridas não conseguindo identificar, a não ser olhar, olhar. Poderia ser o pássaro que quase alcanço com a mão, mas ele foge, ele voa. Se eu pudesse voar, não estaria aqui, fugiria para as alturas, faria um ninho e criaria meus passarinhos, ou, meus filhos com asas. Mas o barulho estrondoso no porão, me chama a atenção. Não identifico, se é humano, ou um animal, ou uma máquina de tortura; mas quem estaria sendo torturado ? Melhor voltar para a biblioteca e entrar em algum livro, em que o cheiro me transportará para além das cercanias deste castelo, preto e branco. Não encontro mais o caminho de volta, muitas escadas a me confundir, salas, quartos e salões, deixam-me tonto e cansado. Sinto que desço, agora sem minha vontade, simplesmente desço, quase não conseguindo respirar...devo subir à tona ou acordar...

HEAVEN KNOWS I'M MISERABLE NOW





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Eu estava feliz no nevoeiro de uma hora embriagada
Mas o céu sabe o quanto estou arrasado agora
Eu estava procurando um emprego, e então eu achei um emprego
E o céu sabe o quanto estou arrasado agora


Na minha vida
Por que eu dou tempo precioso
Para pessoas que não se importam se estou vivo ou morto?


Dois amantes abraçados passam por mim
E o céu sabe o quanto estou arrasado agora
Eu estava procurando um emprego, e então eu achei um emprego
E o céu sabe o quanto estou arrasado agora


Na minha vida
Por que eu dou tempo precioso
Para pessoas que não se importam se estou vivo ou morto?


O que ela me perguntou ao final do dia
Calígula teria se envergonhado
"Você tem estado nesta casa há tempo demais", ela disse
E eu (naturalmente) fugi


Na minha vida
Por que eu sorrio
Para pessoas que eu preferiria chutar no olho?


Eu estava feliz no nevoeiro de uma hora embriagada
Mas o céu sabe o quanto estou arrasado agora
"Você tem estado nesta casa há tempo demais", ela disse


by The Smiths

ps. The Smiths e Legião Urbana são as bandas que mais falaram da minha vida, deveria processá-los, mas me vingo publicando aqui no bloguinho...quando se descobre que o mar calmo que se navega, enfrenta    uma tempestade (Tempestade - o disco da Legião que me traduz ), de um dia para outro, de uma falha até a outra, de um pedido de clemência até a forca. Mas não desta vez. Agora entendo  o que meu terapeuta tenta me dizer, que meu psiquiatra sabe os remédios que eu devo tomar. Então ouvi esta música, continua linda para mim, mas eu chutaria um olho ou diria para Calígula que ele é um matador de criancinhas, se precisasse. Apenas vou me recolher dentro de minha escrivaninha de trabalho e trabalhar em silêncio, pois estou há muito pouco tempo por aqui, e eu cansei de minha vida nômade.  
ps2. será sem comentários, pois é só um desabafo para meus remédios, e já me sinto muito bem.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

NÃO PENSO TER A VIDA INTEIRA


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FOGUEIRA


Por que queimar minha fogueira
E destruir a companheira
Por que sangrar o meu amor assim
Não penses ter a vida inteira
Para esconder teu coração
Mais breve que o tempo passa
Vem de galope o meu perdão

Por que temer a minha fêmea
Se a possuis como ninguém
A cada bem, do mal, do amor em mim
Não penses ter a vida inteira
Para roubar meu coração
Cada vez é a primeira
Do teu também serás ladrão

Deixa eu cantar
Aquela velha estória, amor
Deixa eu penar
A liberdade está na dor

Eu vivo a vida a vida inteira
A descobrir o que é o amor
Leve pulsar do sol a me queimar
Não penso ter a vida inteira
Para guiar meu coração
Sei que a vida é passageira
Mas o amor que eu tenho não

Quero ofertar
A minha outra face à dor
Deixa eu sonhar
Com a tua outra face, amor

Não penso ter a vida inteira
Para guiar meu coração
Sei que a vida é passageira
Mas o amor que eu tenho não

Quero ofertar
A minha outra face à dor
Deixa eu sonhar
Com a tua outra face, amor

by Angela Rô Rô

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

SEGREDO



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Poderia guardar todos os meus segredos nesta página internética, mas não restou nenhum que desperte algum interesse. Aquelas pílulas estão enchendo meu estomago e não sei se são digeridas ou só se acumulam dentro da gente mutando nossas vontades e pensamentos, nossos quereres, citando Caetano. Tento vasculhar bem no fundo de mim, se encontro algo esquecido e que valesse a pena contar, mas não. Esta tudo vazio ou parado. As pílulas vão se armazenando entre os órgãos, mas todas fogem do coração. Na autópsia de um grande astro encontram elas, as pílulas inteiras dentro dele, mas já sem vida, sem sentido. Voltando aos segredos, tenho de confessar, contei ao vento o último, que se encarregou de espalhar ou terminar, como quando jogamos restos mortais em pó no oceano ou do alto de um penhasco. Melhor virar para o lado e tentar dormir e não sonhar, esta é a regra das pílulas, não sonhar. Adormeço e nas trevas da madrugada sinto o beijo de minha mãe e suas mãos puxando o cobertor, para que eu fique mais aquecido.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

UM ESQUECIMENTO, UM ECO, UM NADA

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Jorge Luis Borges


Sou


 Sou o que sabe não ser menos vão
 Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.
Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.
Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,
Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.

by Jorge Luis Borges