segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A SOLIDÃO ME ENSINA




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Mirada Secreta

Foram-se
 os amores que tive
Ou me tiveram. Partiram
Num cortejo silencioso e iluminado.
A solidão me ensina
A anão acreditar na morte
Nem demais na vida: cultivo
Segredos num jardim
Onde estamos eu, os sonhos idos,
Os velhos amores e os seus recados,
E os olhos deles que ainda brilham
Como pedras de cor entre as raízes.



by Lya Luft




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terça-feira, 11 de dezembro de 2018

NA ÁGUA QUE CANTA, NO FOGO MORTIÇO

     
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Barco Negro


De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.[Bis]

Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:

São loucas! São loucas!

Eu sei, meu amor,
Que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor,
Me diz qu'estás sempre comigo.[Bis]

No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo

by Caco Velho e Piratini
na voz  Amália Rodrigues ou
Margarida Guerreiro

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O TEMPO SECO

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Arrastando um feixe de ossos, estrada a fora. Ossos catados na seca do nordeste, ossos de animais e alguns crânios humanos, muito pequenos. Eram de crianças mortas pela seca, pelo abuso, pela fome, pelo trabalho escravo infantil. Morrem muitas crianças neste país. O tempo seco, a terra esturricada, levanta poeira a cada passo dado. O Sol escaldante sobre a cabeça, que é ornamentada com um chapéu, velho, surrado, sujo pelo tempo. É um castigo, a pena eterna, vagar por estas terras secas e vazias de alma e de verde, pois tudo está seco, cadavérico e pequeno, como se os arbustos tentassem, mas o Sol que também dá vida, não permitia, seus raios impiedosamente atingiam as plantas, as sementes, as raízes...Vagando sem destino, arrastando ossos e remoendo dores e mágoas, medos e abandono e solidão. O dia se estende, os pés já não sabem mais, se pisam ou flutuam, as dores adormeceram os passos, que seguem, ad infinitum...Olhando para trás, o que ficou, não tem mais jeito. Águas passadas não movem moinhos, mesmo um Quixote iludido, assim seguia sua saga, sua sina. Arrastando os ossos no deserto de vidas, onde o passado deixou de assombrar, apenas os mortos continuam vivos em seu coração, que dilacerado e infeliz, teima em bater, levando sangue para o cérebro, para todo o corpo, que se sente morto. Se ao menos o coração parasse de bater, se juntaria aos mortos que tanto amava e que o deixaram assim, perdido, só, arrastando um feixe de ossos, estrada a fora.

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quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

"Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!"


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As luzes brilham nos postes, e meus olhos brilham no escuro de uma lágrima que se perde em minha roupa de cama. Sei que lá fora o mundo continua, apesar de minha dor, de minha tristeza. Embaixo das árvores de plástico, ainda se percebe o sussurro de um menino triste, deitado no chão, brincando com uma formiguinha desorientada, sem suas pequenas antenas. Ele tenta falar com ela, mas ela não ouve, não entende, ele chora e uma lágrima afoga a pequena formiga. As luzes ainda brilham forte, sob um céu escuro e sem estrelas, do mar. São ciumentas, as luzes, e não permitem que as estrelas tirem seu brilho. Aos poucos o sono e o cansaço vão vencendo a dor e a angustia, deixando-me dormir em paz. Paz que logo acaba, com a chegada dos pesadelos, iniciando a ronda noturna, torturando ao longo da madruga...Agonia, Instante da vida que precede imediatamente o momento da morte, este era meu estado naquela tarde de pouco Sol e muitas nuvens e ventos, agonia. Não fosse o mal estar, era só se deixar levar para aquele plano brilhante que tudo se transformou, um pouco antes da náusea. Olhei para uma árvore e ela brilhava tanto que parecia me cegar por instantes, me jogando num fundo escuro e calmo e frio, mesmo assim, meu corpo suava, perdendo líquido, memórias e saúde. Tentei contar quantos passos conseguia dar, mas não saia do lugar, deixava de me comandar, envolto nos braços da morte. E fiquei ali, me olhando, enquanto algumas mulheres tentavam desesperadamente encontrar uma veia: traiçoeira, dizia uma delas, depois não ouvi mais nada. Aos poucos retornei ao que era antes, vivo. Algumas pessoas esperavam minha volta, só queria proteger minha mãe, então não morri. Acordo assustado, sento na cama e sinto que vivo, era um pesadelo...antes de pegar no sono, percebo que pela janela ainda entra uma luz artificial e brilhante, dos postes de iluminação.

by Jair Machado Rodrigues



(Muito obrigado Mário Quintana)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

EU SIGO ADIANTE

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Cocktail Party





Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez de se matarem, fazem poemas.
Estou triste porque vocês são burros e feios
E não morrem nunca...
Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos...)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se em todas as poças d'água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!





by Mario Quintana



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terça-feira, 4 de dezembro de 2018

QUERO SER SOZINHO


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Lisbon Revisited

Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me fallem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!(*)

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
 
by Fernando Pessoa
  (Álvaro de Campos)

ps.
Nos meus piores momentos, este poema sempre me salvou,  me estimulou, me fez acordar e gritar comigo mesmo...mais uma postagem deste poema me faço necessário, para continuar vivo e feliz na minha infelicidade, que é a solidão. Acredito que a poesia salvará o mundo, meu mundo, que perco a cada dia um pouco mais,   até não restar mais nada em minhas mãos, como poeira ao vento, como o esquecimento. Tenho tantas lágrimas contidas...tenho tanto ressentimento comigo, que poderia me explodir ou jogar eu mesmo meu corpo num precipício sem fundo e sem fim...lá onde a dor deixa de existir, onde o coração deixa de bater também.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

E VER OS PERIGOS NO MEIO DO MAR

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AZUL E AMARELO



Anjo bom, anjo mau, anjos existem
E são meus inimigos, e são amigos meus
E as fadas, as fadas também existem
São minhas namoradas, me beijam pela manhã

Gnomos existem e são minha escolta
Anjos, gnomos, amigos e amigos,
Tudo é possível outra vida futura, passada

Mas existem também drogas pra dormir
E ver os perigos no meio do mar
No sono pesado, tudo meio drogado
Existem pessoas turvas, pessoas que gostam

E eu tô de azul e amarelo
De azul e amarelo

Senhores deuses me protejam, de tanta mágoa
To pronto para ir ao teu encontro
Mas não quero, não vou, não quero
Não quero, não vou, não quero

Existem também drogas pra dormir
E ver os perigos no meio do mar
No sono pesado, tudo meio drogado
Existem pessoas turvas, pessoas que gostam

E eu tô de azul e amarelo
Amarelo, azul e amarelo

Senhores deuses me protejam, de tanta mágoa
To pronto para ir ao teu encontro
Mas não quero, não vou, não quero
Mas não quero, não vou, não quero
Mas não quero, não vou, não quero



by  CAZUZA

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

NA NOITE MAIS ESCURA E PROFUNDA


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APENAS RESPIRO


Todos os dias ao acordar, digo bom dia,
E antes de dormir, digo boa noite…
Durante o dia carrego alegria,
Durante a noite sofro asfixia
Assim corre meu tempo,
E não consigo ficar atento
Para o Sol nascer
E no final do dia, morrer
Na noite de dormir,
Minha insônia faz repetir
Os badalos dos sinos ao longe,
Anunciando a morte de alguém
Meu Deus porque não eu, ir ao teu encontro ?
Não me queres no céu ?
Resta-me o inferno
Todos os dias pedia à Deus alegria, saúde e amor
Estou saudável e alegre…
Na noite mais escura e profunda,
Não sonho, não durmo, apenas respiro a escuridão
Que já fez casa em meu coração…
Todos os dias ao acordar,
Eu não queria,
pois nunca é um bom dia.


(muito obrigado Augusto dos Anjos)


by Jair Machado Rodrigues
21/11/2018

terça-feira, 20 de novembro de 2018

SE NÃO CANTO PELO MENOS GRITO

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CANTO DOS PALMARES


Eu canto aos Palmares
sem inveja de Virgílio, de Homero e de Camões
porque o meu canto é o grito de uma raça
em plena luta pela liberdade!
 
Há batidos fortes
de bombos e atabaques em pleno sol
Há gemidos nas palmeiras
soprados pelos ventos
Há gritos nas selvas
invadidas pelos fugitivos...
 
Eu canto aos Palmares
odiando opressores
de todos os povos
de todas as raças
de mão fechada contra todas as tiranias!
 
Fecham minha boca
mas deixam abertos os meus olhos
Maltratam meu corpo
minha consciência se purifica
Eu fujo das mãos do maldito senhor!
Meu poema libertador
é cantado por todos, até pelo rio.
 
Meus irmãos que morreram
muitos filhos deixaram
e todos sabem plantar e manejar arcos
Muitas amadas morreram
mas muitas ficaram vivas,
dispostas a amar
seus ventres crescem e nascem novos seres.
 
O opressor convoca novas forças
vem de novo ao meu acampamento...
Nova luta.
As palmeiras ficam cheias de flechas,
os rios cheios de sangue,
matam meus irmãos, matam minhas amadas,
devastam os meus campos,
roubam as nossas reservas;
tudo isto para salvar a civilização e a fé...
 
Nosso sono é tranqüilo
mas o opressor não dorme,
seu sadismo se multiplica,
o escravagismo é o seu sonho
os inconscientes entram para seu exército...
 
Nossas plantações estão floridas,
Nossas crianças brincam à luz da lua,
nossos homens batem tambores,
canções pacíficas,
e as mulheres dançam essa música...
 
O opressor se dirige aos nossos campos,
seus soldados cantam marchas de sangue.
O opressor prepara outra investida,
confabula com ricos e senhores,
e marcha mais forte,
para o meu acampamento!
Mas eu os faço correr...
 
Ainda sou poeta
meu poema levanta os meus irmãos.
Minhas amadas se preparam para a luta,
os tambores não são mais pacíficos,
até as palmeiras têm amor à liberdade...
 
Os civilizados têm armas e dinheiro,
mas eu os faço correr...
Meu poema é para os meus irmãos mortos.
Minhas amadas cantam comigo,
enquanto os homens vigiam a terra.
 
O tempo passa
sem número e calendário,
o opressor volta com outros inconscientes,
com armas e dinheiro,
mas eu os faço correr...
Meu poema é simples,
como a própria vida.
Nascem flores nas covas de meus mortos
e as mulheres se enfeitam com elas
e fazem perfume com sua essência...
 
Meus canaviais ficam bonitos,
meus irmãos fazem mel,
minhas amadas fazem doce,
e as crianças lambuzam os seus rostos
e seus vestidos feitos de tecidos de algodão
tirados dos algodoais que nós plantamos.
 
Não queremos o ouro porque temos a vida!
E o tempo passa, sem número e calendário...
O opressor quer o corpo liberto,
mente ao mundo
e parte para prender-me novamente...
 
- É preciso salvar a civilização,
Diz o sádico opressor...
Eu ainda sou poeta e canto nas selvas
a grandeza da civilização
a Liberdade!
Minhas amadas cantam comigo,
meus irmãos batem com as mãos,
acompanhando o ritmo da minha voz....
 
- É preciso salvar a fé,
Diz o tratante opressor...
Eu ainda sou poeta e canto nas matas
a grandeza da fé  a Liberdade...
Minhas amadas cantam comigo,
meus irmãos batem com as mãos,
acompanhando o ritmo da minha voz....
 
Saravá! Saravá!
repete-se o canto do livramento,
já ninguém segura os meus braços...
Agora sou poeta,
meus irmãos vêm comigo,
eu trabalho, eu planto, eu construo
meus irmãos vêm ter comigo...
 
Minhas amadas me cercam,
sinto o cheiro do seu corpo,
e cantos místicos sublimizam meu espírito!
Minhas amadas dançam,
despertando o desejo em meus irmãos,
somos todos libertos, podemos amar!
Entre as palmeiras nascem
os frutos do amor dos meus irmãos,
nos alimentamos do fruto da terra,
nenhum homem explora outro homem...
 
E agora ouvimos um grito de guerra,
ao longe divisamos as tochas acesas,
é a civilização sanguinária que se aproxima.
Mas não mataram meu poema.
Mais forte que todas as forças é a Liberdade...
 
O opressor não pôde fechar minha boca,
nem maltratar meu corpo,
meu poema é cantado através dos séculos,
minha musa esclarece as consciências,
Zumbi foi redimido...

by Solano Trindade

ps.
"Neste dia 20 de novembro comemora-se novamente o Dia da Consciência Negra em todo o Brasil. Se bem que eu não sei se "comemorar" é a palavra certa. Atualmente, ouve-se das mais altas instâncias do poder que o ativismo não é mais visto com bons olhos – querem até mesmo que ele acabe. Por outro lado, isso só deverá valer a partir de janeiro – e, com isso, ainda não afeta a data comemorativa no final deste novembro.
Seja como for – a história do surgimento do Dia Nacional da Consciência Negra é extremamente interessante. Há 40 anos, no dia 4 de novembro de 1978, ativistas do Movimento Negro Unificado (MNU) se reuniram no ICBA em Salvador. Lá entraram em acordo para, a partir daquele momento, celebrar o Dia da Consciência Negra em 20 de novembro.
O dia da morte de Zumbi dos Palmares deveria lembrar que os escravos sequestrados e levados para o Brasil não aceitaram seus destinos calados, mas se rebelaram contra a dominação de seus corpos e almas por estranhos."

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

COMO NUM SONHO/PESADELO



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"Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo"

by Cazuza






                              Outro dia uma amiga me falou que as pessoas magoam e nem se dão conta, ou são tão dissimuladas que parece que não falaram ou não fizeram por mal, elas chegam, te destroem e seguem suas vidinhas, medíocres, mas vidinhas. E a gente que se vire com a ofensa, a mágoa, a palavra ríspida, ou aquele tom de desconsideração ao falar com alguém...esta minha amiga. Entendo o que ela me disse, demorou um pouco, mas entendi, ao ser magoado e quem fez, seguiu como se nada houvesse, enquanto que eu, em choque, parei, com vontade de chorar, me sentindo machucado, pequeno e triste.


                           Não tenho mais onde ir, onde ficar, onde dormir. O Eremita se faz presente e só, seguindo apenas o rastro de sua luz, e eu seguindo o rastro de minha solidão. Todos os caminhos são de pedra, de espinhos e cacos de vidro…como um faquir sigo adiante, sangrando os pés e misturando-me a massa disforme que se junta, antes do precipício sem fim. Já não entendo há muito tempo as batidas descompassadas de meu coração, e esta náusea quando respiro profundamente, como se fosse vomitar um alien, que devora pouco a pouco minha vida, de dentro pra fora. Se alimenta especialmente de meu coração, que já sangrava quando ele chegou, como um tubarão seguiu o cheiro de sangue, e como um zumbi chegará em meu cérebro.


                              Outro dia caminhava feliz no caminho das pedras, espinhos e cacos de vidro, e como Cristo flutuava, sem sangrar meus pés, e meu coração leve e inteiro...meus olhos brilhavam ao apreciar o verde das florestas e o colorido das flores, logo ali...como num sonho.


                              Outro dia, já nem sei mais...


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quarta-feira, 14 de novembro de 2018

ANGÚSTIA DAS PEQUENAS COISAS RIDÍCULAS


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Poema em Linha Reta




Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.



 by Fernando Pessoa




ps.
O mundo me dá vontade de chorar, ao ver crianças mortas em guerras, mortas de fome, caminhando errante com seus pais pelo mundo a procura de abrigo, que não existe mais. Quase chorei no último capítulo de uma novela, o amor correspondido me faz chorar de alegria, não o amor que tive, só eu o tinha, só eu amava e sofria, só eu...mesmo amando o que não me amava, eu chorava. Não se escolhe. Mas o que são poucas lágrimas comparadas ao pranto das mães que perdem seus filhos pela violência, pela intolerância, pelo tráfico… Mas não consigo chorar por mim, que morre um pouco mais a cada dia, a cada noite insone. O mundo, este que está aí, não é o mundo que escolhi, mas o mundo onde nasci e passei a viver, até aqui. Minhas dúvidas, meu coração partido e seco, minha vida, minha morte...a cada aniversário mais próximo me sinto dela, mais envolvido. Angústia por coisas tão pequenas, diante de toda a humanidade, é nada.


terça-feira, 13 de novembro de 2018

MELODICAMENTE LIMPO


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Deus

deus não existe.
mas se ele existisse,
ele viveria no céu acima de mim,
em uma nuvem grande e gorda lá em cima.
ele é mais branco que o branco e mais limpo que o limpo.
ele quer me alcançar.

deus não existe
mas se ele existisse eu sempre o notaria.
se preparando em seu quarto aéreo.
ele está escolhendo suas luvas tão brutalmente.
ele quer me tocar.
estou andando humildemente por uma rua estreita.
puxando meu colarinho que cresce.
eu o conheci uma vez.
realmente me surpreendeu.
ele me colocou em uma banheira.
me deixou melodicamente limpo. realmente limpo.

para criar um universo você precisa
provar o fruto proibido.
ele disse oi. eu disse oi. eu continuei limpo.

Deus não existe.
mas se ele existisse ele gostaria de descer daquela nuvem.
primeiro dedos de marzipan do que mãos de mármore.
mais silencioso do que o silencio e mais lento que a lentidão.
mergulhando em minha direção. meu colarinho é sala imensa para duas mãos,
elas começam no peito e se movem lentamente para baixo.
eu pensei que já tinha visto de tudo.
ele não era branco e fofo.
ele tinha costeletas.
ele tinha costeletas. e um topete.
ele disse oi. eu disse oi. eu continuei limpo. eu estava melodicamente limpo.
eu estava surpreso.
do mesmo jeito que você iria ficar.

deus deus. ele não existe. deus deus.


Deus (tradução)

The Sugarcubes

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ps.
Stan Lee morreu e com ele foi uma parte perdida de mim, o melhor que poderia guardar, poder, força, vida…..agora 'meus heróis morreram de overdose'. Nunca mais voar sobre as nuvens ou mergulhar no mais profundo mar do meu inconsciente e sobreviver a minha loucura. Já não caio e nem ralo o joelho como outrora, na 'minha infância querida que os anos não trazem mais'. Stan lee morreu e o que fazer com todos este gibis de anos e anos, sonhando ser meu próprio super herói, fazendo minha própria salvação e do mundo. Mas o mundo é muito grande, e eu sou tão pequeno, mesmo herói, muito pequeno e feito de papel colorido, agora dentro de caixas de papelão, esperando a incineração.


sexta-feira, 9 de novembro de 2018

CHÁS


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CAMOMILA
Capim-cidreira, camomila, melissa, hortelã e funcho...esta mistura de chás é uma boa fórmula para acalmar, mesmo o mais revolto dos mares de pensamentos, abrandar a mais feroz das tempestades e domar até o vento Minuano nos pampas do Sul. Como não existem mais cartas, recebi um e-mail ou um pombo correio caiu do meu teto, em minhas mãos. A luz difusa entra pela janela, os vidros, formando diversos arco-íris em volta da xícara de chá, sobre a mesa, que me aguarda, me acalma, me...antes de entrar, fui colher as ervas do campo para fazer o chá, que me aguarda sobre a mesa. Não havia ninguém caminhando, nem na pequena floresta do final da rua, onde encontrei todos os tipos de ervas, de chás e flores do campo, de paz e harmonia e um silêncio que não condizia com o local, apenas o leve barulho do vento lambendo as folhas verdes das árvores. Enquanto minha alma submerge num mundo que não escolhi, recebendo todos os olhos malditos e agouros e pragas...não sei se choro ou me jogo no chão, se grito ou enfio a cabeça debaixo de um travesseiro. Quando nasci, com certeza era folga dos anjos da guarda e fiquei sem nenhum. Agora entre a cruz e a espada, entre o céu e o inferno, entre o amor e o ódio, entre partir ou chegar...a vida não é fácil, assim como numa propaganda de margarina, assumimos compromissos depois de adultos. A liberdade que se pensava na infância, de que adulto tudo poderia, quanta ilusão...agora adulto, percebo que tudo não passou de uma grande mentira, um imbróglio do tempo, nos confundindo em nossas mentes que não dá mais tempo, não há mais salvação…quando não se tem amigos que pertencem a nossa mesma família de espíritos, mas quando se tem, tudo é normal e equilibrado...então sigo lentamente até a mesa, e sento na cadeira e fico observando o vapor que emana da xícara de chá de capim-cidreira, camomila, melissa, hortelã e funcho...
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HORTELÃ

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

VÉSPERAS


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Vésperas de eleição, confesso que ando meio alheio a tudo que remete a política. Estou alienado. Mas tudo é política. Seguindo o barco, ouço o murmulhar das ondas batendo no casco...desligo o torneira que lavava uma garrafa térmica, sim, térmica, uma das invenções destes tempos, já banalizada. Sem o barulho da água saindo da torneira, ouço o fervilhar de lava, de um vulcão, no árido nordeste, como se não bastasse a fome, a seca. É só a água fervendo, desligo o fogão, o gás...Eis que ouço ao longe, como se fosse uma infância perdida, há muito tempo. É um discurso inflamado, que ecoa na cozinha onde me encontro, vindo lá do fundo, de dentro, de um celular, de um casarão. Penso na infusão, gosto disso desde que vi num filme numa madrugada dessas de insônia. Na infusão, do chá que gostaria de fazer com ervas do campo, colhidas á pouco tempo por minhas mãos em um vasto jardim. Pisco, e estou lendo antes de abrir o pequeno pacote colorido de vermelho: chá de maçã. Meus ouvidos me levam a ver meu pai na cozinha ouvindo seu rádio, e preocupado com os colegas de trabalho no sindicato, devido a perseguição de ditadura que comandava o país naquele tempo. Eu, nem tão pequeno para entender, nem tão grande para sentir a atmosfera daqueles tempos de chumbo. Coloco o saxe na garrafa térmica, e continua o discurso de um candidato, não mais lá na minha infância, mas agora no meu mundo adulto de hoje. Peguei minha garrafa térmica e corro pelo corredor, de volta por onde vim, com um peso de angústia no peito. Não acredito nos meus ouvidos, como fantasmas em forma de memórias tristes, de dor e tortura, de morte e de vala coletiva de cadáveres. De pessoas que não apareceram até o dia de hoje. Corri pelo corredor, tranquei-me na sala e voltei, aos poucos, aos batimentos cardíacos normais, ainda não aconteceu. Vésperas de eleição...





ps.
Caríssimo amigo Xaverico, muito me alegra tua presença e comentário neste blog, obrigado. Este post traduz um pouco minha angústia. Adoro televisão, desde muito pequeno, tenho muitas memórias afetivas...concordo em gênero, número e grau com teu comentário. Vivemos tempos delicados, de fúria e paixões radicais. Sim, merecemos ser felizes...eu aqui agradecido com tua amizade virtual/de verdade e desejo que esta mesma felicidade que merecemos seja imensa na tua vida. Carinho respeito e abraço.




segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Já estou vendo TV como companhia


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LEVE DESESPERADO

Eu não consigo mais me concentrar
Eu vou tentar alguma coisa para melhorar
É importante, todos me dizem
Mas nada me acontece como eu queria

Estou perdido, sei que estou
Cego para assuntos banais
Problemas do cotidiano
Eu já não sei como resolver

Sob um leve desespero
Que me leva, que me leva daqui

Então é outra noite num bar
Um copo atrás do outro
Procuro trocados no meu bolso
Dá pra me arrumar um cigarro?

Eu não consigo mais me concentrar
Eu vou tentar alguma coisa para melhorar
Já estou vendo TV como companhia

Sob um leve desespero
Que me leva, que me leva daqui

Talvez se você entendesse
O que está acontecendo
Poderia me explicar
Eu não saio do meu canto
As paredes me impedem
Eu só queria me divertir

As paredes me impedem
Eu já estou vendo TV como companhia

Sob um leve desespero
Que me leva, que me leva daqui

Sob um leve desespero
Que me leva, que me leva daqui

by Capital Inicial


ps.
Por fora, bela viola, por dentro pão bolorento. Muito ouvi isso na minha infância, e até nos dias de hoje, está numa música da Pitty (que eu amo), inclusive. Assim me sinto, assim me apresento aos olhos dos que me cercam. Ocorre que não sou belo por fora, um pouco feio e por dentro não tenho bolor, mas dor, angústia, raiva, solidão, insatisfação com o que tenho e vivo. Seria tão simples, acabar com isto, com estes sentimentos e com minha feiura, mas falta-me coragem. Vou arrastando, me arrastando, tentando amar, tentando viver. Um grande palco é a vida e estou encenando minha felicidade, como se faz no facebook, onde se mostra a bela casca, enfim. Meu blog querido, os remédios me mantém assim, meio abobalhado para tudo, esquecido de minha dor...vou seguindo na escuridão dos montes, sonhando com penhascos, sonhando em voar para os céus, como um Ícaro louco, para o Sol derreter minhas asas, e eu cair nas profundezas da Terra. Mas me contento em ficar trancado em casa tendo a televisão como companhia...

 TUDO QUE VAI

Hoje é o dia
Eu quase posso tocar o silêncio
A casa vazia
Só as coisas que você não quis
Me fazem companhia
Eu fico à vontade com a sua ausência
Eu já me acostumei a esquecer

Tudo que vai
Deixa o gosto, deixa as fotos
Quanto tempo faz
Deixa os dedos, deixa a memória
Eu nem me lembro mais

Salas e quartos
Somem sem deixar vestígio
Seu rosto em pedaços
Misturado com o que não sobrou
Do que eu sentia
Eu lembro dos filmes que eu nunca vi
Passando sem parar
Em algum lugar.

Tudo que vai
Deixa o gosto, deixa as fotos
Quanto tempo faz
Deixa os dedos, deixa a memória
Eu nem me lembro mais

Fica o gosto, ficam as fotos
Quanto tempo faz
Ficam os dedos, fica a memória
Eu nem me lembro mais

Quanto tempo, eu já nem sei mais o que é meu
Nem quando, nem onde...

by Capital Inicial



quinta-feira, 11 de outubro de 2018

ENQUANTO EXISTO


Resultado de imagem para um leão de fogo


Há algo que jamais se esclareceu
Onde foi exatamente que larguei
Naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei

Lá mesmo esqueci que o destino
Sempre me quis só
no deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco embriagado ao mar”



by Adriana Calcanhoto



                Tenho uma querida amiga que diz, que ao termos certa idade adulta começam as dores, e sempre saberemos que estamos vivos, basta logo ao acordar, sentir uma dor, este é o sinal...sempre ríamos quando falávamos disso. Hoje entendo bem esta piadinha real. A dor prova que existo, logo penso ? Dane-se Descartes, apenas existimos e deixamos de existir, claro, todos temos uma existência, um tempo para ser vivido, antes da inexistência. Existo, penso e logo inexisto. “Lá mesmo esqueci que o destino Sempre me quis só...” No meu tempo de vida, que ainda gozo, sempre tive amigos sinceros e de coração, mas sempre estive só, ou melhor, ficava só, partindo para minha vida, assim como este amigo parte para a sua. A solidão foi se tornando inevitável e parte de minha vida. Mas não via com bons olhos, até alguém me dizer o que represento no Tarot, ou, que sou representado pela carta de número 9 do Tarot. Esta carta simboliza recolhimento, meditação, autoconhecimento, iluminação, concentração, prudência, isolamento e reavaliação. Sei que estou mais para isolamento e reavaliação, do que os outros predicados. O fato é que acalmou meu coração partido, costurado, remendado e quase cicatrizado nestes longos anos que estou vivendo, e mesmo só, adorando. “Não quero mais a morte, tenho muito que viver, vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer”, sussurra em meus ouvidos esta linda melodia, Milton Nascimento. Tenho saudade daquele tempo das amizades juvenis, brincadeiras, risos, confidências, segredos e liberdade, muita liberdade. Escolhi meu caminho e segui, por vezes só, por vezes acompanhado, e novamente só, até os dias de hoje. Busco meu melhor no meu interior, lidar com o próximo, meu maior desafio, que venho melhorando com o passar dos anos, é uma questão profissional e de sobrevivência, pois precisamos todos, de dinheiro para viver com um mínimo de dignidade...o que não ocorre neste país chamado Brasil, cuja maioria da população é pobre em contraponto a uma minoria que tem tudo. Por isso meu casulo, o mesmo de Emily Dickinson, que serve de morada e transformação, refugio e liberdade das asas, para partir ou seguir seu caminho só. Como estou hoje, ainda com esperanças de um amanhã feliz, embora meu tempo já seja tão pouco, enquanto existo.