terça-feira, 4 de dezembro de 2018

QUERO SER SOZINHO


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Lisbon Revisited

Não: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me fallem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!(*)

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
 
by Fernando Pessoa
  (Álvaro de Campos)

ps.
Nos meus piores momentos, este poema sempre me salvou,  me estimulou, me fez acordar e gritar comigo mesmo...mais uma postagem deste poema me faço necessário, para continuar vivo e feliz na minha infelicidade, que é a solidão. Acredito que a poesia salvará o mundo, meu mundo, que perco a cada dia um pouco mais,   até não restar mais nada em minhas mãos, como poeira ao vento, como o esquecimento. Tenho tantas lágrimas contidas...tenho tanto ressentimento comigo, que poderia me explodir ou jogar eu mesmo meu corpo num precipício sem fundo e sem fim...lá onde a dor deixa de existir, onde o coração deixa de bater também.

Um comentário:

  1. Bom dia, Jair!
    Não conhecia esse texto de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), um tanto forte...
    Na verdade não sei se fico com Sartre, com o seu "o inferno são os outros" mas na verdade o que fazemos para acharmos que o inferno são os outros? Mas talvez seria melhor ficar com Artur da Távola com seu "quem tem vida interior jamais padecerá de solidão". Penso que para o meu bem-estar ficaria com Artur... mais prático, menos mão de obra. Ficar com "os outros" é muito complicado! Conforme as circunstâncias, dá vontade de correr, dar a volta ao mundo...
    Porém o que preocupa e dói, é o último texto...
    Grande abraço, meu amigo, estou sempre acompanhando teu blog.

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