quarta-feira, 29 de março de 2017

CONTAR ESTRELAS

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Quase cansei de te esperar, então resolvi contar estrelas e deixar que meus pés tocassem as águas do riacho que passa, como o tempo, como minha vida, como os amigos deixados para trás, e os que me deixaram. Agora eu sei que a distância e a internet não fazem muito sentido. Existe o abandono virtual, de quem escreve, de quem lê, de quem olha. As escolhas que fizemos ou deixamos de escolher, deixar fluir. Estou na estrela 1001, e quase adormeci. Uma verruga no dedo, diria minha avó, por apontar o céu estrelado. Meu inferno astral está chegando ao seu ápice, espero sobreviver depois disso, como sobrevivi até hoje. Estou só, isto é fato, mas não me queixo. De novo minha falecida avó, antes só do que mal acompanhado. Talvez seja eu a má companhia, talvez não tenha nada a dizer sobre minha vida, sobre as estrelas, como diria Olavo Bilac:



"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muitas vezes desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite,
enquanto a Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo? "

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e e de entender estrelas".

by Olavo Bilac

terça-feira, 21 de março de 2017

MEU AMOR SE MUDOU PRA LUA

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Paula Toller



Cai a tarde sobre os ombros da montanha onde me largo
O dia não foi, a noite o que será
Meus cabelos pela grama e eu sem nem querer saber
por onde começo e onde vou parar

Na imensidão do amanhã
meu amor se mudou pra Lua
Eu quis te ter como sou
mas nem por isso ser sua

Vou adiante como posso, liberdade é do que gosto
O dia nasceu, azul é sua forma
Já não quero mais ser posse, fosse simples como fosse
Um dia partir sem ganchos nem correntes

Façamos um brinde, façamos um brinde
à noite que já vai chegar
Façamos um brinde, façamos um brinde
ao vento que veio dançar

by Paula Toller 

segunda-feira, 20 de março de 2017

JORGE LUIS BORGES E A CEGUEIRA

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Jorge Luis Borges
...
Como é a cegueira?
Uma das primeiras cores que se perde é o negro. Perde-se a escuridão e o vermelho também. Vivo no centro de uma indefinida neblina luminosa. Mas não estou nunca na escuridão. Neste momento esta neblina não sei se é azulada, acinzentada ou rosada, mas luminosa. Tive que me acostumar com isto. Fecho os olhos e estou rodeado de luz, mas sem formas. Vejo luzes. Por exemplo, naquela direção, onde está a janela, há uma luz, vejo minha mão. Vejo movimento mas não coisas. Não vejo rostos e letras. É incômodo mas, sendo gradual, não é trágico. A cegueira brusca deve ser terrível. Mas se pouco a pouco as coisas se distanciam, esmaecem… No meu caso, comecei a perder a vista desde o momento em que comecei a enxergar. Tem sido um processo de toda minha vida. Mas a partir de 55 anos, não pude mais ler. Passei a ditar. Se tivesse dinheiro, teria uma secretária, mas é muito caro. Não posso pagar.

Nunca ficou desesperado por causa da cegueira?
Não. Como foi um processo lento, não houve um momento patético. Mas se uma pessoa perde a vista de repente, pode, inclusive, pensar em suicídio.

O sr. já pensou em suicídio?
Quando era jovem, sim. Mas quando a pessoa é jovem, quer ser o príncipe de Hamlet, Byron, Edgar Alan Poe, ou Baudelaire. Mas agora procuro a serenidade. As pessoas são muito boas para mim. Claro. Sou um velhinho inofensivo. Quem vai me molestar? Não pertenço a nenhum partido político. Sou um velho anarquista spengleriano. Principalmente neste país, as pessoas se interessam muito por política. Eu não. Mas tenho minha consciência tranquila. Falei e escrevi contra Perón. Minha mãe, minha irmã e um sobrinho meu estiveram presos. Ameaçaram-me de morte, mas eu sabia que, se alguém lhe ameaça de morte, você não corre nenhum perigo. Depois vieram todos esses governos. Falei contra o terrorismo, muitas vezes, contra a ditadura militar. Depois escrevi contra uma possível guerra com o Chile. Contra a invasão das Malvinas, escrevi dois poemas e uma milonga, que foi proibida pelo governo.
...

ps. O escritor morreu alguns meses depois de ter concedido a entrevista ao jornalista e apresentador Roberto D’Ávila, em 1985.

ps2. Estou travando uma batalha com a cegueira que tomou os olhos de minha mãe. Minha mãe sofre de diabetes e faz tratamento na Saúde Pública, mas não há oftalmologista, ou há, mas se leva anos, eu disse anos, para uma consulta. Minha mãe estava na fila, mas não suportei ver seu estado, que sobrevivendo de um AVC fraco, foi-se a visão e veio uma profunda depressão. Catarata nos dois olhos...tive de procurar clínica e médicos particulares, com bastante dificuldade, mas nada importa mais que a minha mãe me ver (egoísmo meu) e ver sua vida, que pulsa naquele coração generoso. Existe a possibilidade de reverter esta situação, embora seus olhos estejam tomados de catarata, um dos exames verificou que não há prejuízo nos olhos, podendo fazer a cirurgia.

sexta-feira, 17 de março de 2017

E O AMOR RESTOU INÚTIL



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"Por isso hoje estou tão triste
Porque querer estar tão longe de poder
E quem eu quero está tão longe
Longe de mim"

by !IRA e Pitty



          Alguém teria de tomar uma atitude, não se poderia viver assim, embora o amor fizesse parte ainda daqueles dois. Era inevitável não partir. Com as malas prontas e o táxi esperando, partiu. Chorava quem partia. Chorava quem ficava. A teimosia e o ciúme corroeram aquela doce relação. Um casal bonito de se ver, quando aos domingos, cedo estavam na pracinha do condomínio tomando chimarrão (bebida típica de um deles). Conversavam, e educados cumprimentavam a todos, dando atenção a quem perguntasse algo. Assim passavam todos os domingos, felizes e sorridentes, até o Sol começar a morrer lá no horizonte...era como se os dois deixassem suas almas morrerem com o Sol, e não acreditavam no poder da Lua. E assim que o Sol sumia, eles juntavam suas coisas esparramadas pelo gramado, e desapareciam condomínio adentro...o táxi partiu rumo ao aeroporto. Dentro do avião, quem partiu, olha pela janela e vê a Terra se afastando. Uma vida passada. Dentro de casa, quem ficou, olha pela janela, observa o céu e vê o rastro de um avião.

          Nem sempre o amor estará acima de tudo, haverão escolhas, ou amor ou saúde. Acredito no amor verdadeiro, o amor das mães, até no amor dos cães, mas como confiar no amor do outro, dito de sua boca, será que saiu do coração ? Ou é mais uma banalidade com fins sexuais ? O ciúme como um cupim vai comendo por dentro, e quando se vê, onde existia uma madeira forte, nada mais resta senão farelo e o fim de mais uma aventura de amor. A teimosia, também foi minando a relação. Eu quero o Sol. Eu quero a Lua. Se podemos ter os dois, porque não ceder um pouco hoje e ver o Sol, ceder mais um pouco e ver a Lua. Uma bela noite de amor que não haverá mais, assim pensa quem ficou, assim pensa quem partiu. “E o amor restou inútil...”


quinta-feira, 16 de março de 2017

SE NÃO TEM CORAÇÃO ?


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Não Tenho Medo da Morte

não tenho medo da morte
mas sim medo de morrer
qual seria a diferença
você há de perguntar
é que a morte já é depois
que eu deixar de respirar
morrer ainda é aqui
na vida, no sol, no ar
ainda pode haver dor
ou vontade de mijar

a morte já é depois
já não haverá ninguém
como eu aqui agora
pensando sobre o além
já não haverá o além
o além já será então
não terei pé nem cabeça
nem figado, nem pulmão
como poderei ter medo
se não terei coração?

não tenho medo da morte
mas medo de morrer, sim
a morte e depois de mim
mas quem vai morrer sou eu
o derradeiro ato meu
e eu terei de estar presente
assim como um presidente
dando posse ao sucessor
terei que morrer vivendo
sabendo que já me vou

então nesse instante sim
sofrerei quem sabe um choque
um piripaque, ou um baque
um calafrio ou um toque
coisas naturais da vida
como comer, caminhar
morrer de morte matada
morrer de morte morrida
quem sabe eu sinta saudade
como em qualquer despedida

by Gilberto Gil

quarta-feira, 15 de março de 2017

ALGO FLUTUANTE

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Sobre a ponte, olhava o rio e pensava na vida, no tempo que estou por aqui...qual o próximo passo ? Eis que surge ao longe no rio, algo flutuante; senti um pouco de inveja, não sei nadar, muito menos boiar...gosto dos filmes bíblicos onde aparece Jesus caminhando sobre as águas. Continuei a observar aquele corpo estranho, não corpo humano, mas um tronco de árvore talvez, até mesmo um pequeno barco à deriva. Como se fosse permitido um rio carregar um corpo humano, boiando em suas águas...foi o que vi, quando aquele corpo inchado passou sob a ponte. Fiquei pensando da vez que corri até a ponte em um rio que passava pela cidade em que morei na infância...queria morrer, me jogar, ir para o fundo e depois de cinco minutos, subir à tona e boiar ao sabor do rio, esquecendo de tudo, família, amor abortado, jardins que não floresceram, embora eu me empenhasse com os cuidados, quando a cama me deixava sair dela, quando conseguia me arrastar até a porta dos fundos e pegar o regador. Absorto nestes pensamentos, quase esqueci que um corpo morto boiando passou sob a ponte, sob meus pés...iniciou um burburinho, cochichos, e fofocas, pois aquele corpo chegou na prainha do lugar, e da ponte pude perceber a aglomeração em volta ao corpo, que há pouco tempo deslizava pelo rio, assim, como me perdia em pensamentos. Sobre a ponte pude ver o cadáver boiante encontrar um porto seguro, nas areias daquela prainha. E eu ? O faço aqui ? Senti uma necessidade urgente de ver aquele morto. Pelo acostamento, fui descendo até as areias brancas da prainha, e logo já me misturava com a multidão aglomerada envolta do corpo. Ali. Estático. Mudo. Parado. Morto. Era negro e tinha um pequeno bigode, podia se ver no rosto inchado, assim como o resto do corpo, que era jovem...respirei aliviado, apesar de quase achar que era eu, daqui do alto da ponte.

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