quarta-feira, 22 de junho de 2016

LÁ ESTÃO OS POEMAS QUE ESPERAM SER ESCRITOS



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Procura da Poesia




Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.


by Carlos Drummond de Andrade




12 comentários:

  1. Caro amigo Jair Machado, mestre Drummond nos deu uma aula, através deste poema, de como atuar no planeta poético. Um abração. Tenhas uma boa tarde.

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    1. Concordo meu amigo e poeta Dilmar, porque os de fora, desconhecedores da história da literatura, da poesia e acompanhadores dessas músicas de agora(péssimas), acham que poesia é uma rima pobre com umas frase tosca, supondo amor e carinhos. Pego um pedaço do peoma para exemplificar esta minha confusão 'explica poesia' rs:
      "Chega mais perto e contempla as palavras.
      Cada uma
      tem mil faces secretas sob a face neutra
      e te pergunta, sem interesse pela resposta,
      pobre ou terrível que lhe deres:
      Trouxeste a chave?"
      Meu querido amigo e poeta enches meu coração de alegria e vida e amizade com esta tua nobre visita e afetuoso comentário. Carinho respeito e abraço.

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  2. Palavras

    Lá no reino das palavras, subitamente
    Há um poema que espera ser escrito
    Leve em conta que palavra não mente
    Aquilo tudo que ela diz deveria se dito.

    Quando a palavra dorme no dicionário
    Aguarda calmamente, o vate inspirado
    O qual criará real e verdadeiro cenário
    No qual aflora um poema bem bolado.

    Se a tiram do limbo a palavra agradece
    E ao poeta a melhor conotação oferece
    E pergunta sem esperar uma resposta.

    Aceite-a, palavra há que poema semeia
    Portanto vate, jamais a escreva na areia
    Pois um grande poeta nisso não aposta.

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    1. Meu querido amigo, poeta e xará Jair Lopes, não esqueci teu poético comentário, é que preciso pensar um pouco mais, é tão completo teus comentários, e tão próximos a mim, que dá medinho rs...precisava agradecer a Chica e a Tais, uns anjos, amigas muito queridas. Volto ao comentário. Carinho respeito e abraço.

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    2. Meu adorado amigo Jair Lopes, precisa retornar, afinal eu disse...não cumpro muitas coisas, esta não pude me furtar, és um amigo que se tonou querido demais, me cativastes pelas palavras, e são poemas que sempre vou procurar nso comentários, mas mesmo que não estejam lá,pensarei que é o Sol, em dia de muita nuvem. Todo meu carinho meu respeito e meu abraço.

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    3. Meu adorado amigo Jair Lopes, precisa retornar, afinal eu disse...não cumpro muitas coisas, esta não pude me furtar, és um amigo que se tonou querido demais, me cativastes pelas palavras, e são poemas que sempre vou procurar nso comentários, mas mesmo que não estejam lá,pensarei que é o Sol, em dia de muita nuvem. Todo meu carinho meu respeito e meu abraço.

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  3. Lindo poema e fico feliz em te ver melhor! abraços, tudo de bom,chica

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    1. Chica do Céu minha adorável amiga, a Marina está linda, cresce mais e mais todo dia, fico feliz em vê-la tão bem e tu feliz com isso. Querida amiga, obrigado pela preocupação, realmente tenho problemas depressivos, me trato já faz alguns anos e o blog ´é um ótimo terapeuta para mim também, escrever ainda é meu melhor remédio, o problema é esta fixação da morte, ao primeiro problema quero morrer, mas não quero de verdade, e ninguém acredita, tenho medo de um dia num impulso acabar com minha vida, o que eu ia me arrepender muito rs. Minha adorável amiga, todo o bem que me desejas, a tua preocupação comigo, este carinho, peço a Deus que esteja sempre, sempre de olho e com a mão estendida sobre os teus, aos teus amores, filhos, netos, marido. Carinho respeito e abraço.

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  4. Uf, agora sim! Pois é, Drummond é aquele poeta que não precisa de explicações. A gente tem a impressão que passou por todas as mazelas; que tem algo em comum com todos nós! E a vida 'é' assim - com seus altos e baixos. Uma gangorra.
    Também fico contente...Não há bem que sempre dura, mal que nunca acabe!
    Abraços, fique bem.

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    1. Esta é a sensação que tenho ao ler Drummond, a vida simplesmente, mas a vida na ótica mais pura e poética, nos baixos, nos altos. Acredito ainda que a poesia salvará o mundo, e precisava me reerguer daquela queda depressiva, lembrei Drummond e el veio me dizer estas palavras, contar este poema, trazer mais uma amiga para próximo, obrigado querida amiga Tais. Carinho respeito e abaraço.

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  5. Jair, querido amigo, também venho agradecer teus comentários sempre tão animadores, carinhosos e amigo. A blogosfera tem disso, um amigo dá força para o outro, e eu acho isso tão solidário, é bom e saudável essa roda que temos. Por isso gosto de blogar, de visitar os amigos e ter sempre uma palavra de incentivo ou de conforto. E aplaudir pelos textos, pela criação.
    Fique bem.

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  6. Bom dia Jair,
    Muito interessante essa receita de Drummond...
    li e reli cada conceito.
    Mas creio que cada poeta tem
    um jeitinho único e especial
    ao compôr sua escrita.
    Beijos!

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