segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

TUDO PASSA




O ano passou. Talvez rápido demais ou talvez não tenha percebido, encolhido em meu casulo, distante de tudo, distante de todos. Como um estranho no ninho, não podendo ir embora, me afasto, me isolo, não ouço, não vejo, não falo...para minha proteção enquanto isso, o corpo de baile dança no palco, acima de nossas cabeças. A Morte do Cisne. A morte do dia em que cheguei aqui. O ano passou, mas não passou minha angústia, minha insonia e meu coração em pedaços. Sentado em meu canto, lutando com a cibernética instalada para eu trabalhar ou para me espionar...cortaram a música, tenho medo de perder meus dedos no teclado do computador, mas sigo adiante, dando meus dedos a tapa ou à guilhotina que Maria Antonieta perdeu a cabeça. O ano passa e estamos no Natal, aniversário de Cristo, mas ninguém lembra disso, apenas das festas dionisíacas, com muita bebida, comida e falta de fé. O ano passa, governos são derrubados, e os que tomam conta, se apresentam bem piores, mais sanguinários, mais cruéis e burgueses. E o povo ? O povo passa fome o ano inteiro e e´sacrificado como o aniversariante do Natal, o ano inteiro. O ano passa e todos me abandonaram a minha própria sorte ou azar. Os amigos distantes se ocupam com os seus e eu gostaria de estar no ventre de minha mãe, como um canguru, como um feto protegido pela placenta, sem pensar, sem sonhar. Pura proteção tenho certeza, minha mãe não me abortaria, não me abortou e estaremos juntos no Natal, abraçados, vendo o ano que passa, este ano que passou.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

TRISTE POSTAGEM

Resultado de imagem para alepo

Resultado de imagem para alepo



Sempre achei triste postagem sem comentário. Depois li: faça um blogueiro feliz, comente. Hoje acostumei a viver só no mundo e na internet. Estamos ocupados demais com o que nos cerca. Está tudo muito veloz, embora a rotação do planeta não esteja. “Quem é o inimigo, quem é você ?” Enquanto isso em Alepo, um resto de cidade na Síria, continua matando seus moradores, destruindo o que ainda está de pé e desplantando os jardins que eram cultivados dentro de casa, por crianças inocentes. No Brasil a morte banalizou, pisamos em cadáveres na rua, falamos ao celular enquanto dirigimos, jogamos lixo em qualquer parte e não amamos, nem respeitamos o próximo. No meu mundo real a dor é real. No mundo virtual, recebemos o esquecimento rápido, face as novas e últimas novidades, que tem pressa, urgência para impactarem e desaparecerem como se nada fosse feito. Enquanto isso falamos de amor, dias felizes e memórias vagas. Falar no sentido metafórico, não nos falamos, apenas postamos e esperamos que alguém pare em nosso blog e diga olá, que belo, que bom...”mas as pessoas na sala de jantar São ocupadas em nascer e morrer” . Enquanto eu choro minha pitangas egocêntricas, Alepo caminha a passos largos para mais um genocídio e a destruição total.




DESCE O CREPÚSCULO

Resultado de imagem para CREPÚSCULO, FENOMENO NATURAL

 Cocktail Party


Não tenho vergonha de dizer que estou triste,
Não dessa tristeza ignominiosa dos que, em vez
de se matarem, fazem poemas:
Estou triste porque vocês são burros e feios
E não morrem nunca…
Minha alma assenta-se no cordão da calçada
E chora,
Olhando as poças barrentas que a chuva deixou.
Eu sigo adiante. Misturo-me a vocês. Acho vocês
uns amores.
Na minha cara há um vasto sorriso pintado a
vermelhão.
E trocamos brindes,
Acreditamos em tudo o que vem nos jornais.
Somos democratas e escravocratas.
Nossas almas? Sei lá!
Mas como são belos os filmes coloridos!
(Ainda mais os de assuntos bíblicos…)
Desce o crepúsculo
E, quando a primeira estrelinha ia refletir-se
em todas as poças d’água,
Acenderam-se de súbito os postes de iluminação!
 
by Mario Quintana

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

PÚBLICO E PRIVADO


Resultado de imagem para trabalho honesto filas de gente


Segunda-feira de um dia no hemisfério Sul

Aos que tem um trabalho, cuidem bem dele, pois o exército de reserva, nunca esteve com tantos cidadãos, e nunca estivemos com uma percentagem de povo vivendo na linha da miséria, 30% de 200 e tantos milhões de brasileiros. E eu tenho meu trabalho e agradeço a Deus por isso... pois era uma segunda-feira de fim de primavera, expectativa para o verão. Será o mais quente dos últimos tempos ? Não sei, tudo indica, os Pólos estão derretendo. Estou chegando no trabalho, e começa o atendimento determinado horário, com algumas pessoas na frente do prédio esperando para ver suas coisas. Segunda-feira eu quase um zumbi chegando no prédio, absorto, em silêncio; eis que passando pelas gentes ouço meu nome sendo dito em voz alta e firme: Bom dia Jair, não se usa mais dizer bom dia ? Pausa Dramática. Paro e acordo, literalmente. Uma senhora que estava junto das pessoas que eu passei no meio está me olhando inquisitiva, falando em tom alto, como se eu não quisesse dar bom dia. Olho pra ela, e peço desculpa, não a vi, alias eu não estava vendo ninguém. Então acordo assim, como se estivesse cometendo um pecado ao não vê-la, me repreendendo, me chamando a atenção - ainda não lembro quem é esta senhora. Poderia lhe dar um milhão de explicações por meu ato falho, em não dar bom dia. Mostra meu lado mal educado também, completamente diferente do eu que atende as pessoas, as informa, e não se satisfaz em dizer não, procura sempre uma saída, um encaminhamento. Minha mãe me ensinou assim, quando alguém pede uma informação, devemos nos esforçar para dar o melhor da gente, pois poderíamos ser aquela pessoa perdida...fiquei um tanto constrangido, parado, e incrédulo, no portão, que permanecia fechado para eles, e não para os funcionários. Eu era um funcionário. Segui adiante, com aquele pensamento martelando durante todo o dia. Em compensação, não vi mais aquela senhora, ela não apareceu na minha sala e pude atender bem, como de costume, as pessoas que ali aportam.

"Nosso dia vai chegarTeremos nossa vez
Não é pedir demais:
Quero justiça
Quero trabalhar em paz
Não é muito o que lhe peço
Eu quero um trabalho honesto
Em vez de escravidão"
by Legião Urbana

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

DORINHA MEU AMOR...

Resultado de imagem para SEMPRE TRISTISSIMAS ESSAS CANTIGAS

Na boca
Sempre tristíssimas essas cantigas de carnaval
Paixão
Ciúme
Dor daquilo que não se pode dizer

Felizmente existe o álcool na vida
E nos três dias de carnaval éter de lança-perfume
Quem me dera ser como o rapaz desvairado!
O ano passado ele parava diante das mulheres bonitas
E gritava pedindo o esguicho de cloretilo:
- Na boca!Na boca!
Umas davam-lhe as costas com repugnância
Outras porém faziam-lhe a vontade.

Ainda existem mulheres bastante puras para fazer vontade aos viciados

Dorinha meu amor....
Se ela fosse bastante pura eu iria agora gritar-lhe como o outro:
- Na boca!Na boca!

 by  Manuel Bandeira

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

UM POETA DEIXOU O PLANETA

Resultado de imagem para ferreira gullar





Traduzir-se


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?


by Ferreira Gullar






sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

ENTRE AS LÁPIDES


Resultado de imagem para LÁPIDE


Dentre todas as Almas já criadas -Uma - foi minha escolha -
Quando Alma e Essência - se esvaírem -
E a Mentira - se for -

Quando o que é - e o que já foi - ao lado -
Intrínsecos - ficarem -
E o Drama efêmero do corpo -
Como Areia - escoar -

Quando as Fidalgas Faces se mostrarem -
E a Neblina - fundir-se -
Eis - entre as lápides de Barro -
O Átomo que eu quis!

by Emily Dickinson
(Tradução: José Lira)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

NO CAMINHO A VIDA PULSA


Resultado de imagem para no caminho do milagre

Esqueceu a terapia e dormiu até mais tarde, enquanto passava desenho animado na televisão, que ficou programada para ligar. No sono percorreu o caminho até a clínica onde mais cedo ou mais tarde, seria sua residência, ou não. Estava sonhando, estava caminhando entre as pessoas sem ser notado, estava realmente sonhando. Desde a última consulta, a troca de remédios, os dias não foram mais os mesmos. Tudo pode acontecer nos finais de ano, tragédias, muitas tragédias. Encontros. Desencontros. Festas. Todos procurando desesperadamente comemorar, forçando sorrisos e postando no face-book, deixando a comida esfriar, mas mostrando todos os dentes, alguns substituídos, mas a maioria era original. Rolou na cama, e abrindo um pouco o olho esquerdo pode ver o desenho do Pica-Pau, com sua crista vermelha e corpo azul. Voltou a procurar o sono ou tentar lembrar de algo que insistia em esquecer. Esqueceu e voltou a dormir. No caminho para a clínica ouviu uma música, que falava de sofrimento, que sempre sofremos, mas nem por isso se deve desistir.

When your day is long and the night
The night is yours alone
if you're sure you've had enough of this life
Well hang on
Don't let yourself go, 'cause everybody cries
and everybody hurts, sometimes ... (R.E.M.)

A balada ecoou nos tímpanos se perdendo na escuridão do sono e do quarto, onde ainda permanecia esquecido da vida, esquecido do terapeuta. Novos remédios, o corpo precisa se adaptar. Os olhos já entenderam e não lacrimejam mais, sente também uma secura na boca, e o coração palpitar ligeiro, como se tivesse medo de parar...virou para o outro lado na cama, sem acordar desta vez, apenas esqueceu de uma consulta, esqueceu o blog também, apenas sonhava que vivia num mudo virtual, agora poderia procurar os amigos que tinha na rede, e deixar comentários in loco nos posts...acorda com um raio de Sol que atravessou a janela, a cortina, parando nos olhos, vendo um belo brilho ao abri-los e perceber que a vida está ali, a sua espera, do outro lado da janela. Agora é só dar um passo, outro passo, mais outro e assim por diante, até chegar na rua e ver que a vida existe, basta querer, basta acordar, porque sofreremos do mesmo jeito, mas com chances de superar o medo e abraçar o dia e a vida, que pulsa, pulsa, pulsa....