sexta-feira, 20 de outubro de 2017

SEGUNDA CANÇÃO DE MUITO LONGE


Havia um corredor que fazia cotovelo:
Um mistério encanando com outro mistério, no escuro…
Mas vamos fechar os olhos
E pensar numa outra cousa…
Vamos ouvir o ruído cantado, o ruído arrastado das correntes no algibe,
Puxando a água fresca e profunda.
Havia no arco do algibe trepadeiras trêmulas.
Nós nos debruçávamos à borda, gritando os nomes uns dos outros,
E lá dentro as palavras ressoavam fortes, cavernosas como vozes de leões.
Nós éramos quatro, uma prima, dois negrinhos e eu.
Havia os azulejos, o muro do quintal, que limitava o mundo,
Uma paineira enorme e, sempre e cada vez mais, os grilos e as estrelas…
Havia todos os ruídos, todas as vozes daqueles tempos…
As lindas e absurdas cantigas, tia Tula ralhando os cachorros,
O chiar das chaleiras…
Onde andará agora o pince-nez da tia Tula
Que ela não achava nunca?
A pobre não chegou a terminar o Toutinegra do Moinho,
Que saía em folhetim no Correio do Povo!…
A última vez que a vi, ela ia dobrando aquele corredor escuro.
Ia encolhida, pequenininha, humilde. Seus passos não faziam ruído.
E ela nem se voltou para trás!

by Mário Quintana

2 comentários:

  1. Muito bom, meu caro amigo Jair Machado, este post vem a calhar, justo hoje, no dia do poeta. Também homenageei o grande Mario lá no meu modesto espaço. Um abração. Tenhas um ótimo fim de semana.

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    1. Meu bom amigo Dilmar, sempre vou recorrer, me refugiar no meu anjo poeta Mário Quintana, para poder ouvir/ler os conselhos para minha alma, não me preocupar com os corredores e esquinas da vida, todos um dia se vão...é preciso olhar com poesia para a tristeza, para nossas perdas, dores e até a situação caótica de nossa política, precisamos de poesia no coração. A poesia salvará o mundo, e quem sabe, minha vida. Meu querido amigo Dilmar, perdoe meu silêncio em teu blog, mas estou abastecendo meu blog, sem internet fica mais difícil. Carinho respeito e abraço.

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